Grêmio Libertador

Cala boca já morreu

Eu podia estar aqui falando do bom jogo de ontem. Dizendo que foi um belo primeiro tempo, com o mesmíssimo esquema de jogo criado por Roger só que com duas peças novas que surpreenderam em campo – Ramiro e Pedro Rocha – e pela disposição geral do time (e da torcida que, veja só, não foi à Arena pra vaiar o time). Registrando um “Meu São Alcindo, que bucha do Ramirito”. Expondo as razões pelas quais acho que, no segundo tempo, perdemos a grande vantagem que construímos nos primeiros 45 minutos – a saber, um juiz absurdamente influenciável pela gritaria dos palmeirenses e uma certa desorganização do esquema de trocas de posições dos três volantes, acho que por falta de perna mesmo. Agradecendo Kannemann pelas boas disputas de bola, especialmente pelo alto. Lamentando que Wallace esteja com a cabeça na lua (não deu um bote certeiro no meio campo) e que Luan não tenha entendido que, ontem, era ele “O Nove” e não precisava voltar até a intermediária pra carregar a bola sozinho até o gol. E, por fim, que aquele pênalti discutível me deixou nervosa com o jogo da volta. Mas vamos lá, que a vantagem ainda é nossa e só a Copa do Brasil nos interessa.

Mas enfim. Eu podia estar falando de futebol, o jogo. Mas vou falar de futebol, este fenômeno social de expressão do machismo.

Sim. Lá vamos nós de novo. E iremos de novo, e de novo, e de novo, e de novo. Até que se entenda: o futebol NÃO É um privilégio masculino.

Ontem, por razões diversas, as únicas pessoas que fazem parte da equipe deste blog presentes na Arena éramos a Júlia e eu. Por uma questão logística e lógica, fomos nós quem gravamos o já famoso e ansiosamente aguardado Saideira. Convidamos outras duas amigas para também palpitarem sobre o jogo. Isso sim, bem de propósito: por que não um Saideira só com as gurias? Tanto Saideira que já teve só guris. Tanta mesa redonda na TV, tanto comentarista em rádio, tanto colunista em jornal. Tanta mesa de bar onde os caras sentam de um lado falando do seu time e as minas sentam na outra ponta e ficam olhando pra tela do celular porque, né, o que elas teriam a dizer, não é mesmo.

POR QUE NÃO 2 MINUTOS DE UM VÍDEO SÓ COM MULHERES FALANDO DE FUTEBOL?

Dois minutos e teve gente que se incomodou.

Que foi pras caixas de comentários perguntar “cadê os machos” que deixaram estas gurias falarem bobagem.

Que não conseguiu entender um “vamos ter um filho, Geromel”, porque né, um elogio construído a partir de uma ótica feminina (sim, amigos, só nós podemos gerar filhos do Geromel, recolham-se às suas insignificâncias) não é um elogio.

Que foi pedir para apagar um trecho do vídeo porque “que merda é essa”. (Dirão que isso poderia acontecer em qualquer edição do Saideira, mas não, nunca aconteceu, aconteceu só agora e não por acaso no vídeo em que só há mulheres.)

Teve gente que se incomodou. E muito.

Que bom. Que ótimo. Que sensacional.

Nós não estamos aqui pra agradar quem acha que não podemos falar. Nós não estamos aqui pra deixar tudo no lugar. Não estamos aqui pra aceitar cala boca num espaço público de debate.

Porque este machismo vomitado em caixa de comentário é o mesmo que motiva quatro caras diferentes a tentarem grosseiramente tirar fotos com duas meninas tomando a sua cerveja na entrada do estádio. Que faz um moleque puxar uma guria pelo braço na entrada do banheiro pra perguntar onde ela estava indo sozinha. Que permite um pai dizer a um menino de não mais que 13 anos que “Tu só beija ou mete também? Tem que meter em todas elas”. Todas estas situações foram presenciadas por nós ontem na Arena.

Portanto, se a gente tiver que falar de “Futebol, O Jogo”, 257 mil vezes pra acabar com o “Futebol, fenômeno social de expressão do machismo”, falaremos.

Não precisamos da tua permissão pra torcer pro Grêmio. Falou, valeu. (Foto do Lucas Uebel/Grêmio FBPA)

Comparilhe isso: