Grêmio Libertador

A mágica em jogo

A temporalidade da vida de quem ama futebol pode ser medida em intervalos de 90 minutos. E a não vida que segue entre o intervalo de uma partida e outra. Porque cada apito do juiz pra autorizar a rolagem da bola é um novo dia. Uma esperança renovada. Uma tragédia em toda a sua inevitabilidade. Seja pelo azar que traz a falta daquela camisa tradicional do título de 95 que sumiu antes do jogo começar, garantia da desgraça, seja pela marca certa de cerveja que traz aquele resultado suado e festejado ad eternum no findar dos acréscimos.

E é um processo quase cíclico. Cada jogo é um microcosmo. Não interessa se faz parte de um maçante campeonato de 85 rodadas todos contra todos mais rodadas bônus em ordem alfabética e de cor e salteado. Aquele momento da bola rolar é único, e não se repetirá nem que algum Edilson confesse choroso algo que sirva de desculpa para um Zveiter remarcar a partida. Já foi. Se contou pontos, se não contou, não interessa. A mágica não se apaga com um canetaço, com um frango. O encerramento de cada jogo é a passagem que faz ele entrar pra essa história de vida (e um pouquinho de morte, por que não?). O eterno momento de ficar na memória da bola ou se perder nas estatísticas dos plantões esportivos.

Se é amistoso, se vale vaga, se vale título, portanto, acaba se tornando secundário. É a vitória que está em jogo. Se tem caneco esperando em um helicóptero para ver se desembarca no Mundão do Arruda ou nos Aflitos, é detalhe. São filigranas em uma obra já finalizada, prima por seu próprio resultado, especial pelo drama que carrega dentro dos seus parcos dois tempos de quarenta e cinco minutos com quinze de intervalo porque ninguém é de ferro. Especial pelos seus heróis, pelos seus vilões. Pelas nuances da invasão do gramado, da escolta policial eternamente pomposamente encenada e irremediavelmente irreal. O resultado é o que marca e cada jogo carrega em si uma vida toda.

Quem não entende isso que esqueça que hoje é 26/11. Nem lembre que Grêmio e Náutico encenaram uma tragédia nos Aflitos em 2005. Que deixe pra lá, que faça pouco caso, chacota. Só quem ama o futebol e toda a sua mágica compreende que vencer uma partida com três jogadores a menos, depois dos 50 do segundo tempo, é algo especial. Onde muitos sairiam de campo simulando contusões, insistir e perseverar. O momento único onde uma equipe se nega a perder e faz o impensável. O ilógico. Frustra dois estádios completamente lotados e transborda todo o sentimento de êxtase depois da arma negar fogo no seu tiro de misericórdia. Pela segunda vez na mesma vida, nos mesmos 90 minutos, ou dois tempos de 45, tanto faz. O irreal invadiu o gramado naquele dia e celebrou um vencedor.

Sorte? Sim. Eu tive. Eu vi isso. E o meu time foi o meu herói naquela vida. Aquele passado que insiste em perseverar 10 anos depois. Que é memória porque já nem depende mais de quem viu pra viver. Que se basta por si. Podia ser na Redenção, pés descalços, com camisa contra sem camisa, valendo uma jarra de suco de groselha. 26/11/2005 foi um momento que, igual a tantos outros, não vai se repetir. Mas viverá pra sempre, pois é impossível esquecer. Está gravado na temporalidade de quem vive pela bola. É um daqueles momentos que sempre nos recorda o que é a essência do futebol. A mágica e toda a sua imprevisibilidade.

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