Desta vez não fomos Coperos

10 Postado por - 19 de maio de 2014 - Artigos

A Libertadores 2014 já era pra nós, mas isso não quer dizer que devemos deixar de refletir sobre o que foi feito de certo e de errado. Simplesmente “deixar pra trás” só vai aumentar a probabilidade de repetirmos os erros que nos alijaram da conquista nesse ano. Não que essa edição da Libertadores esteja barbada como alguns dizem (nunca é), mas tínhamos a faca e o queijo na mão pra chegar, ao menos, nas semifinais. Sobre isso, pedi para meu amigo Rafa Bacchin resumir num texto tudo que conversamos depois (e antes até) da eliminação para o time do Papa. Segue abaixo:

concept_estrada

A Conmebol brindou o Grêmio com uma considerável vantagem: a de disputar a última partida da fase de grupos, já sabendo qual adversário poderíamos enfrentar na próxima etapa, e ainda em qual chaveamento estaríamos inseridos, dependendo da variável do desfecho do nosso Grupo 6, o “da morte”.

Assim entramos em campo, contra o eliminado Nacional do Uruguay, um adversário que apenas jogava pela sua camiseta, e pelo respeito aos hinchas charruas que viajaram dezenas de horas, apenas no alento de buscar um desfecho honroso na competição continental.Barcos abriu o placar, de penalti, logo aos 12 minutos do primeiro tempo. Corre o relógio e o placar continua o mesmo na Arena. Já no segundo período, atenções voltadas para El Coloso del Parque em Rosario, onde o Newell’s como local, vai sendo batido inapelavelmente e de forma até surpreendente, pelo Atlético Nacional da Colômbia por 3×1.

A situação de momento era a seguinte: a vitória tricolor apontava o cotejo com o San Lorenzo. E mais, lendo a tabela, se conseguíssemos o triunfo contra o time do Papa (que folclore isso!), enfrentaríamos teoricamente o Cruzeiro nas quartas, e prosseguindo o Atlético-MG na semifinal. Em outras palavras, teríamos que matar em sequencia os atuais campeões argentino, brasileiro e da Libertadores. É mole?!

Havia um atenuante para esse tortuoso caminho: sofrer um “maroto” empate nos minutos finais, terminar a partida em 1×1, consolidar da mesma forma a melhor campanha no grupo, mas enfrentar o Lanús nas oitavas, e avançando o vencedor de Leon x Bolívar.

Não tinha dúvidas de que o Grêmio “Copero” escolheria a segunda opção. Estava curioso para ver quem cometeria a pataquada de um gol contra ridículo, ou de um pênalti infantil. Os minutos foram se exaurindo, assim como a minha paciência. Nossos zagueiros jogaram muito naquela noite, como poucas vezes se viu na temporada… Passei a gritar, protestar, xingar, e clamar por um gol “salvador” do Bolso. Junto com amigos gremistas enfurecidos, que se aperceberam da diferença da caminhada que nos esperava com aquele infeliz resultado, cogitamos até mesmo invadir o campo (isso é brincadeira).

Termina o jogo, ganhamos. O caminho provável será San Lorenzo > Cruzeiro > Atlético-MG. Gremistas comemoram. O que repercute em síntese no ambiente gremista e nas redes sociais: “somos a segunda melhor campanha de toda Libertadores, destroçamos o grupo da morte, ninguém está jogando mais do que o Grêmio, atropelaremos quem vier pela frente, esse San Lorenzo é muito fraco, quem quiser ser campeão não pode escolher adversário, Lanús é bem melhor que o San Lorenzo (juro que ouvi muito isso)” e por aí vai… Não dormi aquela noite, infelizmente prevendo o pior.

Na minha opinião até tivemos um bom enfrentamento contra o San Lorenzo. Jogamos da maneira que se joga Copa no Nuevo Gasômetro. Nos portamos bem na cancha, suportamos de forma satisfatória a pressão, tivemos chances e perdemos no detalhe. O resultado que foi muito ruim. Na volta poderíamos ter tido uma intensidade maior, mas o conjunto bem organizado de Edgardo Bauza conseguiu neutralizar com méritos o ímpeto tricolor. Perdemos na loteria em um confronto igual. Desclassificação. Tristeza. A Copa já era.

Alijados da competição, só nos restou acompanhar de longe. O menosprezado San Lorenzo passa sem sustos pelo Cruzeiro, tido como o grande “bicho papão” da competição. A equipe de Bajo Flores, assim, já elimina os dois tidos como grandes favoritos para conquistar a Orelhuda. Por outro lado, o Lanús, de forma patética, é desclassificado pelo Bolívar, time até então desprezível no contexto sulamericano (candidato a novo Once Caldas ou 2006 FC?).

Este é o ponto. Tivemos a oportunidade de escolher um caminho mais aprazível e não o fizemos. Fomos arrogantes, achando que a grande campanha no grupo encardido nos credenciaria a vencer os confrontos sem dificuldades, fosse lá quem viesse.

Subestimamos um time que acabava de ser campeão argentino, que não é uma excelência técnica, mas que possui bons jogadores como Nacho Piatti, Angel Correa (já vendido para o Atlético Madrid), Mercier, Nico Blandi, Buffarini, e uma disciplina tática elogiável. Soma-se a isso a perseguição histórica do San Lorenzo por um título, o único grande argentino que nunca conquistou a América, que é alvo de piadas de seus adversários com sua sigla CASLA (Club Argentino Sin Libertadores de America). Sua Barra Brava, “La Gloriosa Butteler”, entoa cânticos em sua maioria com os seguintes temas: “vamos voltar a Boedo” (bairro do antigo estádio) e “Libertadores é nossa obsessão”.

O modesto Lanús, de torcida pequena, de orçamento de clube de Gauchão, sem ambição de vôos maiores, certamente seria um adversário muito menos duro. Sua maior expressão técnica por exemplo é um zagueiro, Paolo Goltz (queria ver no Grêmio). Foi eliminado por outro clube modesto do seu tamanho.

Escolhemos o caminho errado. Falta de planejamento? Arrogância? Desconhecimento? Talvez a resposta seja por todas estas razões, mas o fato é que somente se ganha uma Libertadores com sangue, suor, lágrimas, malandragem, e a habilidade de jogar com o regulamento “debaixo do braço”. Desculpe Grêmio, mas desta vez não fomos Coperos.

Escolhemos um caminho sinuoso, onde teríamos que jogar sempre com a corda esticada, tendo que jogar todos enfrentamentos no nosso limite, sujeito a lesões, suspensões, e inevitável desgaste emocional e físico.

O futebol é um esporte apaixonante onde um pequeno detalhe, como uma bola que beliscou o poste e não entrou, um morrinho no gramado que fez a bola tomar uma trajetória diferente, um erro de arbitragem, uma chuvarada no dia que o time local precisava reverter um placar adverso faz diferença. Coisas aleatórias que podem determinar o sucesso ou revés de toda uma temporada, ou outras nem tão aleatórias assim, depende do ponto de vista.

O certo é que, ainda assim, resta espaço para o previsível, o planejável, para aquilo que possa imputar à expertise em minimizar riscos, e por que não a uma certa sagacidade?

Saudações tricolores,

Rafa Bacchin
Twitter: @rafa_bacchin

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10 + comentários

  • Ronaldo 20 de maio de 2014 - 00:22 Responder

    Parabéns pelo texto. A patrulha do politicamente correto é grande e quase ninguém mais tem coragem de defender abertamente que se “entregue” um resultado para escolher adversário. Por isso que acho que por parte da torcida pode ter sido soberba e um pouco de desconhecimento. No mais acho que foi mais uma coisa de querer ser correto, um repúdio à malandragem, uma fidalguia que acaba por escorregar para um fair-play ingênuo.
    Sobre isso já havia comentado em um post anterior e repito agora, por pertinente:
    “Mesmo com esse grupo médio que temos, poderíamos ter ganho essa Libertadores. É só olhar quem sobrou: San Lorenzo, Nacional do Paraguai, Defensor (quase certo) e Bolivar ou Lanus. Se fomos eliminados pelo San Lorenzo nos penaltis com o time ainda sem confiança devido ao fiasco no ruralito, é válido supor que com a confiança em alta teríamos passado, mas a nossa torcida histérica queria ganhar o ruralito (deu no que deu). Mais, poderíamos ter pego o Lanus, deixando pro San Lorenzo a tarefa de eliminar o Cruzeiro (nossa eterna touca em mata-matas), mas a parte da torcida imbecil e xiliquenta não queria usar de uma estratégia que sempre foi usada por times vencedores, a de jogar com o regulamento embaixo do braço e escolher adversário SIM. O nosso clube desaprendeu tanto a ganhar, que na tentativa de fazer um contraponto às maracutaias coloradas, viramos adeptos de um fair-play ingênuo que nunca foi a nossa cara: o Grêmio nunca foi mocinho – a Portuguesa era a namoradinha do Brasil em 96, lembram? Parte da mídia do centro do país SECOU o Grêmio na final contra o Ajax, lembram? O Grêmio sempre esteve mais para o anti-herói (para não dizer o vilão). Era o nosso papel, e o Grêmio era respeitado e temido.

  • Agenda Negativa 20 de maio de 2014 - 02:54 Responder

    Muito mimimi.
    Discordei de 95%, exceto com as afirmações de falta de planejamento e “Copeirice” que obviamente tiveram suas causas longe das outras afirmações do post.

    Sinceramente a parte do “não dormi prevendo o pior” me fez rir.
    Estás perdendo dinheiro tche, a Mãe Dinah deixou vaga.

    No más : Belo site, boa entrevista vídeo com o Dudu, parabéns !

    • Ronaldo 20 de maio de 2014 - 06:05 Responder

      O Rafa pode ter dramatizado um pouco, mas na essência ele está correto. Eu vou além, não diria “desta vez não fomos copeiros”, digo “mais uma vez não fomos copeiros (por que deixamos de ser há um bom tempo)”. Não tem nada de mimimi, desaprendemos a jogar copas, passamos a acreditar em bobagens “brasileiras” como “melhor campanha”, “jogo bonito”, etc. Nos acariocamos. Pior ainda, estamos virando ingênuos, colocando na prática um fair play que para os outros é mero discurso, querendo jogar com fidalguia competições movidas a malandragem. Parte disso vem de uma romantização do passado vencedor, de ver aqueles times como esquadrões que venciam jogando contra tudo e contra todos. De fato, eram times bravos e irresignados, mas estavam longe de serem supertimes, tiveram grandes tropeços (e aprenderam realmente com isso) antes de ganharem títulos e o principal, não se contaminavam com a vaidade da “melhor campanha”, do “futebol mais bonito”, jogavam para vencer as competições conforme o planejamento. Aliás, planejamento é o que realmente falta, mas aí é outra discussão.

      • Agenda Negativa 20 de maio de 2014 - 20:35 Responder

        Que Rafa ?

        Com o teu texto eu concordo, muito embora nada tenha a ver com o que o Minwer escreveu acima. Estamos falando da mesma coisa Ronaldo ?
        Numa boa mesmo peço que prestes atenção, sem zuera.

        Achei mimimi justamente por isso, pois o Minwer reclama que o Grêmio não foi “malandro” em deixar empatar e deixou de dormir porque preveu o pior, sendo que todos sabem que se fizessem isso e caíssem da LA da mesma forma, estariam massacrando agora o time talvez até mais intensamente por não jogar com a corda esticada.
        No más concordei com o Minwer sobre falta de planejamento e o fator
        “Copero”, que não inclui manipular placar na minha opinião.

        • Ronaldo 20 de maio de 2014 - 20:48 Responder

          Quem postou foi o Minwer, mas o texto é do Rafa Bacchin.

          • Agenda Negativa 21 de maio de 2014 - 02:16

            Verdade, não vi a assinatura embaixo, falha minha !!!

  • Fausto 20 de maio de 2014 - 13:39 Responder

    Concordo com a análise. Futebol se ganha no detalhe e nesse caso, eram detalhes bem grandes que estavam em jogo. Bastava um pouco de malandragem para conseguir uma vantagem grande e perfeitamente honesta, já que construímos em campo a gordura necessária pra chegar na última rodada de classificação podendo fazer essa escolha.

    Domingo agora conquistamos uma vitória importantíssima sobre o Fluminense, que teve como destaque o Grohe, mas teve uma outra figura importantíssima no jogo. Num lance único, o cara usou de perspicácia e malandragem e praticamente definiu o jogo. Foi o Alan Ruiz. Ele percebeu que o Fred tava irritado e havia acabado de tomar o amarelo e o que ele fez? Chegou no cara, intimando, provocando, no melhor estilo da catimba argentina e não deu outra, o centro-avante da seleção brasileira pra Copa 2014 perdeu a cabeça e cometeu uma infantilidade, colocou a mão no pescoço do cara. Depois foi só desabar numa atuação pra lá de canastrona e provocar a expulsão do principal jogador adversário, minando as chances deles de empate. Malandragem que ganha jogo, azar de quem cai nela.

    Ainda sobre esse lance, o que fez o Enderson na sequência? Tirou o Ruiz de campo, pois obviamente ficaria visado pelos jogadores do Flu. Aí isso me remete a Libertadores 2013, no jogo de ida contra o Santa Fé, na Arena … onde ganhávamos bem e construíamos uma vantagem considerável pra volta, mas o Cris, zagueiro pereba bruxo do Luxa cometia uma falta atrás da outra, todas pra cartão. Não demorou pra receber o amarelo e nada do Luxa tirar o cara. Fui para o facebook (só pra desabafar mesmo) e postei lá “Luxa, vais colocar o Gabriel no lugar do Cris ou vai esperar o Cris ser expulso pra colocar o Gabriel no lugar de um atacante”. Detalhe que fez a diferença. O cara foi expulso cometendo um penalti, os caras diminuíram pra 2 x 1 e com um homem a menos ficou dificil buscarmos o 3 x 1.

    Retrocede pra Libertadores anterior e temos uma infantilidade do Borges, sendo expulso no jogo de ida no Olímpico.

    E por aí vai. Não é de hoje que tem faltado malandragem e copeirice para o Grêmio.

    Não acho que essas coisas sejam os fatores principais e determinantes para as derrotas, mas são detalhes que fazem a diferença. Mas, claro, houve erro gritante de planejamento com relação ao ruralito, e também a falta de qualidade do grupo pesou. Só porque nossa folha de pagamento é muito maior, não quer dizer que temos mais qualidade que os times argentinos e de outros países. Aqui cometemos o erro de gastar muito para trazer determinados jogadores de nome, em detrimento de ter um time e um grupo equilibrados.

  • Marcio Basgalupp 20 de maio de 2014 - 14:15 Responder

    Caros,

    Excelente observação. Concordo totalmente que deveríamos ter deixado o Nacional empatar aquele jogo, inclusive repeti isso várias vezes durante o jogo (infelizmente apenas pra mim e pros amigos que estavam em volta, pois os jogadores não ouvem). Amadorismo total. No entanto, acho que teve mais do que isso. O Grêmio subestimou ainda mais o San Lorenzo, e destaco alguns pontos: (1) deixar o Alan Ruiz de fora, pois acharam que não precisariam dele; (2) iniciar o jogo da volta com o Luan no banco, poupando-o para o 2o jogo (ou seja, também não precisávamos dele no primeiro jogo). O Grêmio jogou fora de casa pra EMPATAR, e não pra ganhar. Jogou bem? Sim. Mas jogou bem depois de levar 1×0, quando daí sim o treinador colocou o Luan e, assim, ficou com apenas 2 volantes. Já era pra ter entrado com 2 volantes, e com o Luan. Se não aguentasse o jogo todo, paciência, mas tinha que ter iniciado o jogo. Infelizmente, não tivemos a mesma SORTE que tivemos contra o Newell’s Old Boys, quando conseguimos empatar o jogo quando decidimos jogar pra fazer gol em vez de jogar pra não tomar gols. Falta ao Grêmio (e isso não é de hoje), como você mencionou, jogar com o regulamento debaixo do braço. E a gente sabe que com o gol qualificado não dá mais pra jogar fora de casa apenas pra não tomar gols, tem que fazer gol(s).

  • Fausto 20 de maio de 2014 - 17:15 Responder

    O Alan Ruiz ficou fora porque pertence ao San Lorenzo.

    • Ronaldo 20 de maio de 2014 - 20:51 Responder

      Certo, mas poderia ser escalado mediante o pagamento de uma multa.

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