La muerte es mentira

8 Postado por - 13 de abril de 2015 - Artigos

Morreu hoje Eduardo Galeano. Nascido em 1940, esse intelectual uruguaio foi um grande cara. Tão grande que me deu um nó no peito saber que não teremos mais ele aqui. São poucas as pessoas tão humanas quanto esse cara. Em homenagem a ele estou tirando do papel uma ideia que a Julia Poloni sugeriu: indicar alguns livros sobre futebol pra quem nos lê. Além de “As veias abertas da América Latina” (obrigatório), ele tinha um prazer especial em escrever sobre o esporte bretão. E uma parte desse vício foi reunida em Futebol ao Sol e a Sombra. Abaixo um pedacinho, pra incentivar.

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O torcedor

Uma vez por semana, o torcedor foge de casa e vai ao estádio.

Ondulam as bandeiras, soam as matracas, os foguetes, os tambores, chovem serpentinas e papel picado: a cidade desaparece, a rotina se esquece, só existe o templo. Neste espaço sagrado, a única religião que não tem ateus exibe suas divindades. Embora o torcedor possa contemplar o milagre, mais comodamente, na tela de sua televisão, prefere cumprir a peregrinação até o lugar onde possa ver em carne e osso seus anjos lutando em duelo contra os demônios da rodada.

Aqui o torcedor agita o lenço, engole saliva, engole veneno, come o boné, sussura preces e maldições, e de repente arrebenta a garganta numa ovação e salta feito pulga abraçando o desconhecido que grita gol ao seu lado. Enquanto dura a missa pagã, o torcedor é muitos. Compartilha com milhares de devotos a certeza de que somos os melhores, todos os juízes estão vendidos, todos os rivais são trapaceiros.

É raro o torcedor que diz: “Meu time joga hoje”. Sempre diz: “Nós jogamos hoje”.

Este jogador número doze sabe muito bem que é ele quem sopra os ventos de fervor que empurram a bola quando ela dorme, do mesmo jeito que os outros onze jogadores sabem que jogar sem torcida é como dançar sem música.

Quando termina a partida, o torcedor, que não saiu da arquibancada, celebra sua vitória, que goleada fizemos, que surra a gente deu neles, ou chora sua derrota, nos roubaram outra vez, juiz ladrão. E então o sol vai embora, e o torcedor se vai. Caem as sombras sobre o estádio que se esvazia. Nos degraus de cimento ardem, aqui e ali, algumas fogueiras de fogo fugaz, enquando vão se apagando as luzes e as vozes. O estádio fica sozinho e o torcedor também volta à sua solidão, um eu que foi nós; o torcedor se afasta, se dispersa, se perde, e o domingo é melancólico feito uma quarta-feira de cinzas depois da morte do carnaval.

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2 + comentários

  • Julia Poloni 13 de abril de 2015 - 13:37 Responder

    Uma tristeza só. Mas deixou muita coisa boa no mundo pra gente ler e refletir. Esse livro é uma das melhores coisas que aconteceu na minha formação como ser humano apaixonado por futebol.

  • Victor Araujo 13 de abril de 2015 - 14:05 Responder

    nó no peito. É o sentimento que a humanidade inteira deveria sentir perante a morte de um gigante. Galeano foi , é e será sempre um gigante. Um gigante de coração, uma compaixão que transbordava em seus escritos.

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