O “negócio” futebol – Parte II

2 Postado por - 3 de outubro de 2014 - Artigos

E o que deveria ser o negócio futebol? Como escrevi no post anterior, ele não é comprar jogador e vender mais caro do que comprou. Nem revelar da base (ou seja, o mais barato possível) pra isso. Ser um “clube vendedor” até gera dinheiro, mas sustenta o clube como entidade? Forma torcida? (São Caetano e Barueri mandam lembrança). O futebol formou a torcida de todos os clubes antes mesmo dessa loucura  de mercantilização dos atores da bola. É por isso que milionários interessados em ganhar dinheiro (ou lavar, ou ainda, só ter um brinquedo caro) buscam times que já tenham torcida própria, grande o suficiente para o que é realmente o negócio futebol: agradar o seu público.

O "12º homem", apelido da torcida presencial do Seahawks na NFL, virou marca forte pro clube.

O “12º homem”, apelido de TODA a torcida presencial do Seahawks na NFL, virou marca forte pro clube.

O esporte futebol tem muita audiência porque é um jogo simples e apaixonante. É essa simplicidade que faz as crianças sonharem em ser algum dos seus ídolos brincando no pátio (rua, escola, quarto) com primos, irmãos, vizinhos, cachorro, árvores (sempre quis ser o Mazaropi). E essa identificação cria a paixão. Que pode ser irracional, destrutiva, negativa. Mas também positiva, permitindo ligações, camaradagens, pertencimento. É esse relacionar, gostar, torcer, identificar que é realmente o “produto” do “negócio futebol”. E isso exige que a agremiação se preocupe com muito mais do que só com compra e venda de jogadores – o que é, até certo ponto, secundário. O “negócio futebol”, pra mim, é, por um lado, espetáculo, e por outro, engajamento.

No quesito espetáculo estão inclusos os aspectos do jogo: um certo padrão identificável (pegada, velocidade, “ser letal”, lances bonitos, muitos gols, etc), uma aparente seriedade na relação do clube com o seu ambiente, além da imagem relacionada ao clube. Títulos ajudam, claro, mas não explicam de maneira nenhuma o que faz as pessoas simpatizarem com uma equipe (principalmente que não seja a sua). O mercado real que os marketings clubísticos precisam estar atentos não é formado só pela sua torcida. Seu torcedor vai comprar produtos baseado nos motivos mais diversos e é sempre limitado pelo seu tamanho. Agora, se o futebol for mais interessante globalmente, fãs consumirão produtos de outros clubes que passam alguma ideia de afinidade consigo. Fãs do futebol brasileiro são raros no Brasil. E isso porque o espetáculo oferecido é pobre.

“Ah, os jogos são ruins e tu ainda não quer que não existam investidores?” Não é só um jogo bonito que traz torcedores pro estádio. Aliás, antes, pelo contrário, o hábito de ir a campo é exatamente isso, um hábito. Conheço muitos amigos que vão pela parceria. E o clube precisa ser a maior parceria do seu torcedor, criando um ambiente agradável, festivo, tranquilo e, principalmente, divertido. Se o time perdeu com pegada, agrada o gremista (um padrão de jogo que gera identificação). Se o dirigente não tenta fazer o torcedor de burro, seja cobrando preços abusivos, seja inventando segunda página para liderar, agrada o seu fã (seriedade gera identificação). Se o uniforme é muito bonito, agrada muitos fãs (identificação pela imagem). Se um clube tem valores claros reforçados por ações, agrada outros fãs (identificação pela marca). São essas identificações que fazemos o tempo todo com nossos amigos, marca de carro, cerveja, etc. Mas, pra isso, o Grêmio precisa conhecer o seu “cliente”.

Assim, a torcida precisa ser tratada em dois níveis: local (que vai ao estádio) e global. E mesmo o caso local deve ser tratado como um ente total. Exemplo: se a maior parte da torcida do Grêmio se diverte com a banda DA GERAL, ela deve deixar de ser da geral e ser do Grêmio. Não há nada de errado em ter uma banda que puxe músicas feitas para/pelo clube (com bom gosto sempre, óbvio), que seja paga pra isso, pra embalar todos os jogos. E também não há nada de errado que sejam integrantes da própria torcida, sócios, quem queira. E, melhor ainda, se essa banda fosse formada também por pessoas carentes que o clube ajuda com um fundo social. Música combina com educação e com esporte. E cria simpatia pelo clube. Isso pode ser conseguido através de hábitos de estádio (como os gritos do nome do autor do gol na Alemanha), de pré-jogo, brincadeiras, desafios (como fazer o recorde de altura de vaia durante a posse de bola do adversário, maior período de lotação máxima, mais jogos seguidos). Gerar identificação.

Essa identificação transborda do estádio através das mídias. A quantidade de exposição na TV aberta é importantíssima pra isso. Principalmente a igualdade de oferta entre os clubes, que faça com que seus jogos alcancem o mesmo número de pessoas. Isso para que a maior quantidade de pessoas não precise escolher entre o jogo do seu time e outros. Da mesma forma que os anunciantes, os clubes se mostram para o público durante as suas atuações. Ser visto em uma condição de não adversário é interessante tanto para gerar identificações quanto diminuir as arestas da imposição de uma derrota dolorosa. E a performance da torcida local é um trunfo na busca pela simpatia dos não torcedores.

Mas isso obriga o clube a agir de forma bem diferente do que atualmente. Ele precisa ser uma entidade bem maior e atuar em diversas áreas. Sobre isso, falo na próxima terça.

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5 + comentários

  • Bera 3 de outubro de 2014 - 08:59 Responder

    Perfeito. Falta ao clube proporcionar uma maior “experience” de jogos de futebol. Quanto maior forem os atrativos para a torcida se identificar com o clube, maior será a satisfação que os indivíduos terão ao fazerem parte deste clube.

  • Eastwood 3 de outubro de 2014 - 18:08 Responder

    Não li.

  • Maicon 3 de outubro de 2014 - 18:54 Responder

    Fagner, parabéns. Basta ver os exemplos: Boca (tem fãs no mundo todo por algum motivo), Barça, Liverpool, etc…. estamos a anos luz disso, mas o fato de alguns entenderem isso, já é um passo a frente. Tudo o que você citou se chama ADMINISTRAÇÃO. Todas as vértices do clube trabalhando pelo bem maior. Mais uma coisa: Observe a quantidade de comentários em um assunto dessa importância.(poucos tem interesse) Agora experimenta escrever algo trivial (vai chover Santinho do pau oco te enchendo o saco).Pois bem: a palavra tem que ser mãos a obra, inclusive sugiro que você faça um projeto e encaminhe para o clube. Se você for lido, garanto que poderão tirar muitas idéias que podem revolucionar nosso clube e nossa maneira de torcer. Abraços Maicon.

    • Fagner 4 de outubro de 2014 - 14:12 Responder

      Valeu o incentivo, Maicon. E tu tá certo. Isso é administração. Infelizmente, nos programas das candidaturas que apareceram pra eleição do Grêmio não mostram preocupação maior do que “ganhar do inter”, “ser campeão”, etc. Como se administração ganhasse campeonato. Não, ela faz algo mais importante: garante a existência do clube para que ele possa fazer o esporte de maneira organizada e disputar campeonatos.

      Quanto a mandar um projeto, cara, é o que estou fazendo. Essa série ainda tem mais dois posts que aparecerão aqui na terça e quinta que vem – ainda não decidi se farei mais um pra fechar. Mas acho que é mais produtivo colocar essa ideia para todos os gremistas que conseguirmos alcançar do que mandar para um dirigente meter em uma gaveta. De repente esses textos façam sentido para alguma chapa em um futuro não tão distante, eles encampam alguns pontos, discutem e melhoram outros e a gente faz um Grêmio melhor.

      Saludos,
      Fagner

  • Edgar 10 de outubro de 2014 - 08:37 Responder

    Fui assistir um jogo do Bayer na Allianz Arena e para minha surpresa eles tem torcedores “profissionais”. São algumas pessoas que ficam o tempo todo virados para a própria torcida, com instrumentos e um megafone para puxar os cantos com os outros torcedores. Funciona bem.

    Abraço e parabéns pela iniciativa.
    Edgar

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