O “negócio” futebol – Parte III

1 Postado por - 7 de outubro de 2014 - Artigos

Como o negócio futebol é agradar o seu público, criar identificação, gerar pertencimento e engajamento com o Clube, principalmente, e com o esporte, muitas coisas que os clubes de futebol fazem ao redor do mundo deveriam ser repensadas. E os exemplos positivos podem ser encontrados no próprio futebol, além de outros esportes. Como se faz isso? Para gerar engajamento, o marketing é o carro chefe, junto com um bom tratamento dos sócios e torcedores, obedecendo a determinados critérios. E para o espetáculo, cuidar do futebol como um todo, não só contratações. É esse último item que explorarei nesse texto.

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identidade do time: é o único ponto onde contratações fazem sentido. É interessante para o futebol que os times procurem uma filosofia de trabalho para embasar as contratações buscando uma dinâmica de jogo particular. Alguma característica que seja a marca, mesmo que esquema, treinador e jogadores mudem. Isso gera identificação da torcida. É um conceito já bastante aceito, o Barcelona já mostrou isso pro mundo. O único detalhe aqui é que isso sempre deve ser feito dentro de realidades financeiras concretas (o que não é o forte dos catalães). “Ser campeão” não é uma identidade válida porque é impossível GARANTIR isso (a não ser que se compre o campeonato, o que é esportivamente – e financeiramente – desastroso).

igualdade de condições: essa lição vem das ligas dos EUA. Como eles não tem “série B” (as franquias não são rebaixadas de seus campeonatos), precisam manter o equilíbrio esportivo da competição pra ela ter graça. Isso se dá através de duas maneiras: distribuição de verba de TV e das escolhas de “drafts”, ou seja, seleção de jogadores “da base”. Os piores times na temporada anterior tem as melhores posições de “draft”. Não há preocupação nenhuma com formação de jogadores nas grandes ligas – isso é tarefa das ligas universitárias, de onde vem os mais jovens. Os seus melhores jogadores tendem a ir para os piores times – ou serem usados como moeda de troca para se reforçarem (me dá três jogadores e eu te dou a minha posição deste ano). O exagero nas contratações também é uma demonstração da quebra desse equilíbrio (algo que o Bayern vem demonstrado dentro da Bundesliga). Campeonatos mais parelhos são mais atrativos pois tendem a apresentar a necessidade de mais recursos técnicos e táticos para a vitória. Não necessariamente mais dinheiro.

preocupação com o jogo: o item anterior leva, diretamente, a esse. Não adianta a evolução técnica e tática se dar na arte da retranca (tendência atual, diga-se). Se o gol é o grande momento do futebol os clubes devem zelar para a sua ocorrência. Seja estimulando identidades de jogo que busquem esse resultado mais pragmático (a vitória em cada jogo sendo mais importante que o resultado do campeonato), seja discutindo maneiras de tornar o jogo mais ofensivo. “Ah, mas eu gosto de garra”. Isso não é necessariamente ganhar sempre de um a zero, mas sempre fazer gols quando tiver chance, mesmo que só uma vez. São coisas diferentes. Dá pra ter garra e empilhar gols.

participação ativa no campeonato: os dois últimos itens acabam levando a esse. Que poder o clube tem para dar pitaco sobre a dinâmica do jogo e as igualdades de condições? A sua própria participação. O clube não é um coitado na relação com a CBF e a televisão. Ele deve ser a parte mais importante na negociação. As empresas não pagam para transmitir um time. Pagam para transmitir um jogo, um campeonato com os times que tem os torcedores. Logo, não é justo que se pague mais para determinado time por achismo ou vontade em detrimento da qualidade do próprio jogo (igualdade de condições). Da mesma forma, se a organizadora do campeonato não é clara quanto aos seus procedimentos a ponto de excluir um time por um erro ridículo de organização interna (Portuguesa manda lembranças), não há segurança para um campeonato que desperte o interesse para os direitos de imagem, por exemplo. O ideal aqui é uma participação ativa na elaboração do próprio campeonato e nas regras de premiação (coisa que uma liga resolveria, se bem administrada). Inclusive mudando regras do campeonato, com já falei por aqui. Da mesma forma, garantindo visibilidade igual para os times, sugerindo horários e dias de jogos (se a operadora A tá passando novela, azar o dela, a B não está; vender por dia tem muitas vantagens).

garantir a imagem da competição: sim, tem relação com os outros, mas, nesse caso, quero me concentrar numa parte que não brota diretamente dos anteriores. Falo de valores do campeonato. Campeonato não tem torcida, mas tem uma imagem a zelar. Cada patrocinador compra não só os seus direitos, mas o pacote todo de ideias que estão lá. Igualdade é facilmente verificável na organização do campeonato e nas equidade de sanções que vem dos dispositivos disciplinares (muito mais importante que o juridiquês). Agora, se disciplina em direção a quê? É esse retorno, esse modelo ideal que a sociedade tem como contrapartida do futebol. O modelo que o Brasileiro atual traz não é dos melhores, e diversas marcas evitam. O clube deve atuar compactuando com esses valores e cuidando da sua aplicação.

Esses elementos deveriam nortear a política do clube, tanto na escolha dos envolvidos com o futebol, quanto na sua própria atuação perante os outros clubes e federações (incluindo a administração dos conflitos resultantes dessas relações). É importante para os objetivos do clube que todo o seu “meio ambiente” funcione de maneira clara. Isso também é importante para que o próprio engajamento via clube seja mais profícuo em resultados. Falo sobre o tema na quinta.

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11 + comentários

  • Daniel 7 de outubro de 2014 - 12:15 Responder

    Mais um bom texto da série. No caso do Brasil, acho que a idéia de draft (como nas ligas americanas) não funcionaria: 1) porque o draft não é, necessariamente, a forma mais eficiente de nivelar. Embora, lógico, faça parte de um conjunto de ações. 2) a principal diferença, na minha opinião, é a quantidade de equipes disputando. Entrar com um time numa liga é muito difícil e requer muito dinheiro.

    Lógico, no EUA, as ligas são claramente orientadas ao lado business da coisa. O lado social e de formação do esporte fica mais por conta das universidades e colleges. Mas a integração e a transição do esporte universitário pro profissional é muito bem feita, sem dúvida.

    No Brasil (e na Europe também), acho que a idéia de divisões reflete mais a relação que se tem com o esporte (particularmente o futebol).

    Mas no caso do Brasil, especificamente, eu acho que seria melhor se a primeira divisão fosse formada por 16 times, com três últimos sendo rebaixados. Acho que aumentaria o grau de competitividade da primeira divisão, ao mesmo tempo valorizaria a segunda divisão. Reduziria o calendário dos times da serie A em cerca de 2 meses.

    Ainda, valorizar a serie B significa criar um produto com algum valor de mercado que hoje não tem. De quebra, ainda poderia reduzir a importância dada ao estaduais (campeonatos em que é cada vez mais difícil criar uma formula que seja interessante do ponto de vista comercial e esportivo).

    • Fagner 7 de outubro de 2014 - 19:45 Responder

      Legal teus apontamentos. Dois comentários, um pra justificar um posicionamento e outro para problematizar a tua opinião.

      1- O que quis dizer com o sistema de draft é que os melhores reforços não precisam ir para os maiores bolsos. Há diversos mecanismos que tentam colocar os melhores atletas universitários nos times mais fortes financeiramente (como a compra da posição de draft) mas a regra geral obedece critérios esportivos: time pior, melhores reforços. Não é a lógica do futebol e dos outros esportes. Pra mim, é porque a NFL trabalha com uma liga esportivamente forte, enquanto na Europa, pra compensar, criaram regras de fair play financeiro. Acho mais efetivo levar o esporte mais à sério.

      2- A valorização da série B colocando “times grandes” nela é, pra mim, outra maneira de tirar o foco do esporte e colocar no poderio dos clubes. Pra mim, a competitividade deveria vir com um reforço das características esportivas de todas as séries, tentando reduzir a importância do dinheiro que pode ser captado. O Juventude nunca vai conseguir competir com o Vasco em capacidade de atrair investimentos. Só uma situação completamente aleatória (como a Parmalat fez) conseguiria colocar eles em uma série B em condições de vencer. Já esportivamente falando, três titulares do vice campeão de 2012 eram atletas deles. Entende o meu ponto?

      Saludos,
      Fagner

      • Daniel 8 de outubro de 2014 - 10:19 Responder

        Alo Fagner,

        ainda sobre a valorização da série B, não quis dizer que “colocando times grandes” aumentaria o nível dela. Talvez seja justamente o contrário, Todo ano temos pelo menos 3 times que não tem a menor o condição de estarem na série A (falando em capacidade esportiva e financeira). Acaba sendo muito ruim pro espetáculo.

        Pega, por exemplo, Gremio x Chapecoense na Arena. Jogo pra 18 mil corajosos que foram ao estádio. Fosse contra o Vasco, certamente o jogo atrairia mais interesse. E a equipe da Catarinense não é ruim, só é, vamos dizer, de outra grandeza. Estivessem eles na série B, estariam provavelmente em uma posição melhor na tabela, atraindo mais público pro espetáculo “série B”.

        Acho que reduzir o acesso a série A fortalece a série B porque concentra times da mesma grandeza e com similar capacidade esportivo-financeira no mesmo campeonato. O mercado de times como Chape, Avaí, Ponte Preta etc é outro. Ir pra série A e montar um time pra se manter, é bem menos interessante (esportiva e financeiramente falando) do que montar um time pra vencer a série B.

        Enfim, no frigir dos ovos, acho que estamos falando (quase) a mesma coisa.

        Abraço!

        • Fagner 8 de outubro de 2014 - 17:03 Responder

          Também acho que estamos falando quase da mesma coisa.

          Saludos,
          Fagner

  • Ezio 8 de outubro de 2014 - 16:43 Responder

    Fagner é a primeira vez que comento aqui. Achei interessante teus textos mas lamentavelmente o que tu propõe é utópico em um país como o Brasil. Aqui infelizmente a Globo manda mais no pais do que a própria constituição. E o que propõe certamente vai bater de frente com a venus platinada. O que é mais viável seria impor limites quanto à injeção de $$$ em clubes e também a restrição do transito de empresários em clubes(como quer o Platini). Uma outra luz no final desse túnel é a discussão quanto ao rebaixamento de times por calotes como está querendo a FIFA. “Identificação com time e torcida” é totalmente relativo. O clube mais vencedor do mundo que atende pelo nome de REAL MADRID (ainda vou ver o nosso GRÊMIO enfrentando essa legião estrangeira no Mundial) nunca primou por “jogadores identificados com o clube e torcida”. Talvez as únicas exceções atendam pelos nomes de Casillas, Zidane e Ronaldo Gordo. No entanto se trata de um clube 10x vencedor da Champions League. Enfim, independente de leis e modelos, a receita para um clube vencedor e rico é BOA ADMINISTRAÇÃO.

    • Fagner 8 de outubro de 2014 - 17:11 Responder

      O Real Madrid tem a identificação de ser o time das estrelas. É um tipo que custa dinheiro demais, mas é. Os melhores jogadores do mundo sempre são alvo do time, custe o quanto custe. Isso gera identificação.

      Como tu falou, não tem modelos universais e a sensação de utopia se dá justamente por medo de romper com a Globo. Mas não estamos falando em revolução, só a defesa dos clubes da sua importância pro campeonato. Os times são mais importantes do que pensam. Ações como limitar dinheiro são caminhos possíveis mas, pra mim, não trabalham no problema em si, que é o esporte. Fica como se os clubes sejam vitrines de agentes da bolsa de valores da bola.

      Em suma, proponho um norte pra administração dos clubes em geral que seja diferente de comprar e vender jogador (picaretagem de atleta). Que, obviamente, deve ser discutido e adaptado.

      Saludos,
      Fagner

  • marco 13 de outubro de 2014 - 17:11 Responder

    Parei de ler quando escreveu contra a retranca..As ideias sao boas , mas acabar com coisas basicas do futebol como retranca , catimba , e ate anti jogo faria perder a graça do futebol..O que faz o futebol ter graça é que uma equipe dita inferior consegue igualar ou ate ganhar de um time mais forte na base da catimba , garra , raça e RETRANCA… Fas parte do jogo e nao ah nada de mais gremista do que isso.. Tem muitas ideias interessantes , mas querer comparar com foot ball americano nao da..Um dos motivos dos americanos nao gostarem do futebol é pq nele existe empate..E nao ah nada mais gremista do que jogar pelo resultado , seja ele um 0x0 , saber jogar com o regulamento de baixo do braço.. No momento que fizerem mais essas afrescalhaçoes no futebol ae largo de vez.. Afinal como disse o sabio Peninha , futebol arte é coisa de viado kk.Viva o futebol força , a catimba , a retranca e o anti jogo..Se nao gostam disso vao torcer pra flamengo , santos , sao paulo ou inter ou entao assistir futebol americano mesmo soccerboy

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