O “negócio” futebol – Parte IV

3 Postado por - 9 de outubro de 2014 - Artigos

Fechando a série sobre o negócio futebol, vou me deter na segunda parte da proposição do post passado: o engajamento. Trata-se de estimular alguém a agir de alguma maneira que acabe fazendo ela ser parte do processo. Se dizer torcedor de futebol é bem fácil. Tem um bocado de pessoas que não sabe nem quem é o goleiro do Grêmio hoje, quando tem jogo, não assiste uma partida, mas se diz gremista. E não há problema nisso. Pode ser que ela ensine os filhos a serem gremistas, comemore no momento de um título. Eventualmente até compre uma camiseta, o que é uma maneira de engajamento periférica, mas ainda assim com resultados para o clube. Mas a pergunta que o marketing do clube deve se fazer é: por que só isso? Por que ela não tem vontade de ser sócia? Por que ela não tem vontade de ir ao estádio? Por que ela não se envolve mais com o clube?

Há pessoas que realmente não gostam de futebol por vários motivos. Eu mesmo gosto mais do Grêmio do que de futebol. Acho que o único torneio que eu vejo regularmente e não envolve o Grêmio é a Copa do Mundo. Mas tenho aquela mania que não sei de onde tirei de ser um tanto quanto fanático pelo Grêmio. Assim que tive condições financeiras para tal virei sócio, vou ao estádio com certa regularidade (já fui bem mais frequente), consumo muitos produtos do clube, sou identificado até pela família como “o gremista”, mesmo que 99% dela também seja. E tenho certeza que a pessoa que está lendo isso tem uma história de vida parecida. Por que são poucos como nós? Por que nós atraímos pessoas assim? Por que o clube só atrai pro seu convívio esse tipo de pessoa?

Integração de gênero. Baita exemplo do Arsenal (Foto retirada da Trivela)

Integração de gênero. Baita exemplo do Arsenal (Foto retirada da Trivela)

Esse é, para mim, o ponto mais importante e negligenciado pelos clubes como um todo. Não que nunca ninguém tenha se dado conta disso, mas é que as ações no sentido são sempre efêmeras. O Grêmio agradar o sócio ou o  seu torcedor, pro negócio futebol, é menos importante do que ele agradar os não torcedores. Muita gente não se identifica com o Grêmio a ponto de ir “visitar” ele na Arena porque o Grêmio também não se identifica tanto com ele a ponto de fazer parte da sua vida. Ao mesmo tempo, sócios apanham um bocado e nem por isso deixam de ser. (Obviamente o sócio precisa ser valorizado, mas o retorno financeiro mais volumoso tende a vir do não sócio). Nisso a Hamburgueria foi uma ideia sensacional. É uma maneira do Grêmio sair do Humaitá e estar no centro. As pessoas podem ir ao Grêmio todos os dias, fazer um lanche, encontrar os amigos. Esse tipo de ideia cria identificação.

Voltando ao modo mais genérico de explicações, o próprio conceito de Match Day só é aplicável se tivermos uma cultura nesse sentido. Um estádio em uma área central de Londres tem uma presença muito maior na vida das pessoas do que onde são a maioria dos nossos estádios. No caso do Grêmio, aumentar a estrutura da esplanada é fundamental para criar o hábito. Várias pessoas estão deixando de tomar uma cerveja nos bares da volta (sim, é uma droga para a comunidade local, mas é bom para o Grêmio) e se reunindo dentro dos limites do estádio. Nos EUA existem acampamentos no meio das pistas de corrida na Nascar. Fazem churrasco no estacionamento de alguns estádios. Então, deve-se investir em pensar e criar algumas “tradições” que tornem o estádio um lugar particular (como comer um tropeiro no Mineirão). Pessoas se sentem entusiasmadas só de experimentar o ambiente do estádio e as coisas que só se pode fazer lá.

E é nesse ponto onde a interferência das outras tarefas administrativas se escancaram. A imensa maioria das pessoas que vai ao estádio hoje já vai buscando aquelas coisas que só se sente autorizado a fazer lá: ouvir as músicas da Geral, berrar feito um maluco, xingar a mãe do juiz, fumar um baseado, ficar louco de bêbado, encontrar os amigos, ficar atrás da casamata ensinando o atual treinador o que ele deve fazer, nem ver o jogo pra ficar só cantando, brigar com quem se atravessar no caminho… hábitos que vem de outros tempos, da mistura de culturas, das cargas históricas de cada pessoa e que foram associados ao “ir pro jogo”.

A presença de mulheres nos estádios aumentou muito desde os anos 90. Crianças em família também. Mas várias pessoas ainda não vão até lá por associarem o estádio à violência. Homossexuais não vão ao estádio por medo do ambiente hostil (nem vou falar em trans). A imensa maioria dos torcedores adversários não tem nenhuma vontade de conhecer a Arena por medo da violência. O Grêmio precisa desarmar o seu torcedor, criar um ambiente aberto (como bem levantou a Julia, quando foi ver o jogo contra o Botafogo no Rio). Precisa mostrar que a Arena não é a casa da mãe Joana, é um espaço social, onde as leis se aplicam da mesma forma que lá fora (nesse caso, a proibição da presença dos que gritaram macaco para o Aranha foi perfeita) e, principalmente, onde a regra máxima é o RESPEITO ao outro.

Isso pode ser feito com campanhas contra essas atitudes violentas (nunca vi uma contra brigar com um colorado, por exemplo), mostrando que essas coisas também não são legais dentro do estádio e tornando quem faz isso um idiota para o restante (por sinal, a proibição do fumo na Arena é um grande exemplo disso). Esse “desarmar” o torcedor também pode ser conseguido com campanhas que mostrem que a flauta é legal e podemos rir de nós mesmos (lembrei daquela série do Rugby brasileiro feita pela Topper). Da mesma forma, o clube precisa se engajar na vida das pessoas que possuem valores que ele defende: através de mais visibilidade para ações sociais, escolher maneiras de contribuir com a sociedade e dar publicidade pra isso. Por exemplo, um time de futebol feminino seria interessantíssimo para estimular a igualdade de gênero. O Grêmio precisa definir quais são seus valores e lutar por eles junto com a sociedade. O engajamento pode ser uma via de mão dupla, o que reforça muito mais os laços.

O futebol pode ser uma guerra dentro de campo, mas fora deve ser uma festa. E quanto mais inclusiva, melhor.

Esse é o último post dessa série. Espero que tenham gostado de ler tanto quanto gostei de organizar essas ideias na forma de textos. A base dela tá aí. Precisamos debater mais para chegar a uma solução mais agradável para o esporte, para os clubes e para nós, torcedores.

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9 + comentários

  • Eastwood 10 de outubro de 2014 - 07:11 Responder

    Não li.
    Perdestes a credibilidade faz tempo.
    Piolho do globoesporte.

    • Ota 10 de outubro de 2014 - 13:08 Responder

      Não leu, não comenta… Idiotice total julgar previamente um excelente texto só pelo motivo de não gostar do autor.

      • Thiago 10 de outubro de 2014 - 14:29 Responder

        Embora o cara não esteja totalmente incorreto nas acusações… É obviamente agressão gratuita e falta de bom senso…

        Deviam redirecionar esse pessoal pro blog do Vidarte…

  • Diego Lapolli Bressan 10 de outubro de 2014 - 10:12 Responder

    Fagner, Bom dia!

    Parabéns pelos textos!
    Organizar todos esses pensamentos dá um baita de um trabalho!
    Os consulados são uma grande jogada de marketing do Grêmio. Os torcedores de longe, como eu (Moro em São Paulo), tem um pouquinho de Grêmio para vivenciar (companhias, histórias, tradições, jogos na tv e tudo mais). O Grêmio poderia explorar mais esse tipo de vivência entre os torcedores.

    Abraços

  • Marcelo 10 de outubro de 2014 - 13:33 Responder

    Perfeito, sempre tive idéias parecidas, sempre fui o Gremista, amo o Grêmio, tenho tatoo do Grêmio, consumo produtos, sempre fui ao jogos, hoje menos, mas tudo isso porque amo o Grêmio. Nunca ganhei nada do clube e nem por isso deixo de ama-lo. Acho que esse engajamento que defendes seria um salto de qualidade para o clube, aumento das receitas e identificação com o torcedor.

  • Thiago 10 de outubro de 2014 - 14:18 Responder

    O terceiro e o quarto parágrafo me remetem a “bundamolização” do futebol.

    O que quero dizer é que, sim, o estádio ainda tem que ser um lugar para:
    – Gritar feito um louco.
    – Ouvir musicas da geral e não assistir o jogo pra ensinar o técnico a “tecnicar”.
    – Xingar o Juiz.
    – Xingar o Biteco que não acerta meio passe e o Luan que parece ter DDA.

    O estádio, todavia, não é lugar para:
    – Brigar.
    – Usar drogas (embora isso ainda abra a discussão de quem as defenda, mas tou seguindo o que a lei de hoje nos aplica…).
    – Praticar ofensas relacionadas a “cor/opção sexual/credo”.

    Nesse último item, há de se abrir um ENORME parêntesis para os “políticamente corretos de plantão”. Não sei a teoria de como explicar isso, mas:
    1 – Chamar juiz de filho da P* não é CRIME!
    2 – Chamar o Rogério Ceni de viado não é CRIME!
    3 – Chamar um jogador negro de M*caco (vai que tenham filtrado essa palavra no site de vocês…) É CRIME SIM!
    Talvez seja simples explicar… BOM SENSO! Só que bom senso não se escreve em leis ou regras. Ou a criatura tem, ou a criatura não tem.

    Portanto, por favor, não coloque todos esses itens em um mesmo parágrafo, e principalmente, em um mesmo contexto. É diferente!

    Agora, a aplicação prática do “estar no estádio” para a Arena.
    – Eu, gosto de ver o jogo.
    – Eu, também, gosto de ver o jogo, de PÉ, PULANDO, CANTANDO.

    Onde eu conseguia fazer isso? Na arquibancada do Olímpico. Não tinha cadeiras… A geral era “extendida” até lá. Gritava, pulava, me divertia e via o jogo…

    Resumão, agora tem cadeira em tudo que é lugar e o “torcedor médio” tem de se contentar com “ficar sentadinho” do lado das famílias comportadas, as vezes até se preocupando com o fato de gritar muito alto ou falar palavrão perto de alguma criança.

    O que me faria feliz? Tirar as cadeiras ou da Arquibancada Leste ou da Arquibancada Oeste. Agradaria a muita gente!

    É preciso popularizar o futebol no que tange ao público que paga para ir ao estádio? É.
    É preciso reprimir, elitizar, reeducar e condenar o torcedor que sai fora do padrão? NÂO.
    É preciso punir que não tem bom senso ou pratica crimes. COM TODA CERTEZA.

    • Fagner 11 de outubro de 2014 - 14:33 Responder

      Não disse que tudo o que está junto naquele parágrafo é ruim. Apenas que são coisas que as pessoas associaram ao “ir ao estádio”. Tu dividiu essas coisas no que tu acha boas ou ruins. Se outra pessoa fosse fazer o mesmo, dividiria de forma diferente. E eu também faria diferente dos dois, provavelmente.

      Sim, tem gente que quer ver o jogo como tu. E tem gente que quer ver o jogo de outras maneiras. Assim como é errado tirar todos os espaços de quem quer ver o jogo em pé, é errado forçar que todos vejam o jogo em pé. Sim, é preciso mais espaços para quem quer torcer dessa maneira mas não é possível que se diga que o estádio inteiro quer assistir o jogo assim só porque tu gosta. É isso que o texto quer dizer. O Grêmio precisa ser mais plural.

      Dizer que é “chatice de politicamente incorreto” é não prestar atenção no fato que, por exemplo, “viado” tem direito de ser “viado” e achar bonito e tu não é ninguém para dizer que não é e transformar isso num xingamento. Da mesma forma que tu quer que o Grêmio respeite a tua maneira de torcer, tu tem que respeitar o modo de vida das outras pessoas. Tu não é melhor que ninguém para solicitar tratamento exclusivo. Eu não tenho o direito, por exemplo, de dizer que torcer assim é coisa de marginal e generalizar dizendo que todo torcedor do tipo da Geral não presta, é racista, homofóbico e misógino. Ou tenho?

      Pluralidade exige respeito. Respeito significa mais espaço para todos. Mais espaço para todos, menos violência. Só quem acha que perde com isso é troglodita.

      Saludos,
      Fagner

    • Kauê 12 de outubro de 2014 - 18:10 Responder

      Perfeito comentário! Falou tudo…
      A “bundamolização” só estraga o futebol brasileiro nos últimos anos.

  • Clademir 11 de outubro de 2014 - 17:07 Responder

    Um time feminino seria uma baita jogada, não custaria caro. Salário de 1, eu digo 1 chinelinho já paga toda a estrutura. E coloca de preliminar nos jogos em casa pra galera ir se acostumando.

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