Grêmio Libertador

O patrocínio de Schrodinger

O Grêmio apresentou hoje uma “inovação” no patrocínio da camisa: o “não patrocínio patrocinado”. O quão bom e inovador é isso para o Grêmio? O texto aqui apresentado tenta explicar um pouco melhor o que aconteceu, já que precisei de muito tempo e conversas com outras pessoas para tentar ver a parte comercial da coisa. A nota oficial precisa de um pouco de tempo pra ser digerida, já que pouco explica sobre a operação. Então, vamos tentar ser lógicos pra determinar: a final de contas, como aparece o dinheiro que faria as duas partes em negociação, Grêmio e Dass, ganharem com essa parceria?

Como para todas as coisas da vida, um prévio contexto histórico é fundamental. O patrocínio de camisetas no Brasil começou com a Coca-Cola no meio pro final dos anos 80. No Grêmio, essa transição apareceu entre 1987 e 1988 trazendo uma fonte inédita de receita ao clube. Não fui atrás de valores, mas em um futebol que dava um fusca pra atleta renovar, apenas o dinheiro para pagar um carro desses já seria muito – afinal, o clube não precisaria gastar com isso. Conforme os anos foram avançando, contratos novos foram sendo feitos.

Quando a “inventora” resolveu abandonar as camisetas, em 1994, os clubes já contavam com esses valores nos seus orçamentos. Aí precisaram ir atrás. Tanto Grêmio quanto Inter resolveram seus problemas da maneira mais simples: empresários simpáticos ao clube (e ativos nele) colocaram seus nomes nas camisetas. Assim nasceu a mítica camiseta do Grêmio com a Renner.

Em 1998, a GM se instalava no Rio Grande do Sul. A onda da globalização e a guerra fiscal para trazer grandes empresas estava no seu auge. Estados competiam com unhas e dentes por empresas que tentavam colar seus nomes nas regionalidades para que as longuíssimas isenções fiscais que ajudaram os próprios Estados a estarem com as finanças em frangalhos não fossem alvos de críticas quando os contratos estavam sendo assinados. Foi assim que Grêmio e Inter ganharam um contrato com a General Motors. Sua duração foi efêmera: apenas 3 anos. Tanto que o Grêmio venceu a Copa do Brasil de 2001 sem patrocínios na camiseta.

Um novo patrocinador só veio para a Dupla no decorrer daquele ano. De olho na crise financeira dos times o Banrisul, que já era financiador de dívidas gigantescas com jogadores provenientes da Lei Pelé, resolveu usar o espaço como pagamento não-monetário desses valores. Assim, Grêmio, Inter e o banco ganhavam: os times tinham mais valores pra investir e o banco não ficava sendo sistematicamente caloteado (o pânico da penhora do estádio era constante).  A ideia deu tão certo que as renovações de contrato passaram a envolver “dinheiro” vindo do banco pra dupla (em aspas porque taxas especiais em serviços financeiros também entram na conta do banco na hora de divulgar valores). Essa simbiose só se viu ameaçada com a entrada da Caixa visando todos os estados do Brasil.

Onde quero chegar? Pois bem: VENDA DE ESPAÇO EM UNIFORME NUNCA FOI UM MERCADO CONSOLIDADO NO FUTEBOL BRASILEIRO. Há procura por times que a Globo mostra bastante (Flamengo e Corinthians), alguma pelos seus rivais e uma baba para os outros. Em nenhum momento da história que eu contei o Grêmio, de fato, teve condições de buscar um negócio melhor. Todos foram negócios de ocasião. Conforme os valores de patrocínio foram inflacionados por quem tinha mais mercado, menos ainda ia sobrando para os outros. Até os maiores out-doors desvalorizaram as suas camisetas oferecendo ATÉ O SOVACO pra esse tipo de contrato fazer sentido. Nem vou falar aqui dos famigerados “patrocínios pontuais”. Os times burramente tem se afundado ao invés de se ajudar (uma norma sobre onde é possível estampar patrocínios seria um grande avanço para todos).

A saída da Tramontina e da Tim são reflexo disso. As empresas começaram a ver o abismo que existia entre os contratos antigos e a inflação gerada e se tornaram menos flexíveis – ainda mais em um contexto de crise. Como essa receita se tornou importante para os clubes, foi preciso buscar alternativas. E o Grêmio resolveu ver se a sua torcida queria vender o espaço do sovaco da nossa camiseta, pagando pra pesquisar o óbvio: torcedor não quer macacão de fórmula 1. Nenhum quer. Aliás, a camiseta do Grêmio que eu tenho e mais gera perguntas de pessoas que eu nem conheço na rua é a de 2001, que não tem qualquer patrocínio (em 2010 chegaram a me oferecer uma nova pra trocar por ela antes de um jogo). O Grêmio campeão mundial não tinha patrocínio algum na camiseta. Nem o próprio torneio (antes da FIFA se adonar) permitia que aparecessem em seus jogos.

Tudo isso pra explicar que o Grêmio simplesmente fez o óbvio (e aí, inexplicavelmente, está a novidade): 1- pegou o quanto estavam oferecendo pelos espaços odiados pela torcida (a famosa “omoplata” onde já esteve a Midea); 2- viu quanto precisava ser a relação volume/percentual de comissão por venda pra gerar um valor perto disso; 3- sentou com a fabricante para ver se era possível chegar em um novo valor percentual de contrato em comissão de venda para que esse prejuízo pudesse ser absorvido. Essa foi a engenharia: pelos valores de mercado desse espaço da camiseta do Grêmio, não é vantajoso financeiramente estampar alguma coisa se a torcida achar a camiseta feia e não comprar, perdendo de ganhar na comissão por camiseta. Enquanto o nosso marketing resolveu VENDER A OMOPLATA PRA TORCIDA (deixando aquele espaço livre), tem outros times de Porto Alegre que costumam usar fita isolante pra não incomodar a sua fornecedora e querem acostumar o seu torcedor a ver aquele espaço ocupado botando qualquer coisa lá (não disse qual).

Agora, particularmente, não sei qual o motivo do marketing do Grêmio fazer toda essa onda de Patrocínio de Schrodinger (pra entender, ler aqui). Não tem nada de “não patrocinador patrocinado”: o patrocinador é o torcedor, é o dinheiro dele que faz o negócio existir. E isso só começa a ser interessante para os cofres do clube como um patrocínio de verdade com a venda de uma quantidade calculada das camisetas. Mesmo que tenha rolado um “adiantamento” da empresa nesse momento, o Grêmio e a Umbro ganham com isso, de fato, apenas depois que a meta de vendas for atingida.

É um bom negócio para o Grêmio? Sem dúvida. Mas ele dá um tiro no próprio pé ao não enfatizar que A VONTADE DA TORCIDA COMPROU O ESPAÇO. Esse, pra mim, devia ser o foco da ação. Anunciar que o torcedor pode, se vier junto com o time, ser mais protagonista na relação com o seu clube.

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