Uma nova família nasce

0 Postado por - 1 de dezembro de 2016 - Artigos

Se no dia 29/11 todos nós sofremos e sentimos junto com a Chapecoense o dia 30 nos fez sentir a vida com toda a força. A homenagem encabeçada pelo Atlético Nacional de Medellín e abraçada por centenas de milhares de colombianos foi a coisa mais linda que o futebol já viu. Sim, houve tragédias antes. Mas nunca na história do esporte se viu tamanha demonstração de humanidade e solidariedade como a que presenciamos esta noite. A frase da torcida, “uma nova família nasce” não foi apenas retórica. Todos os brasileiros que assistimos nos sentimos dentro dela.

Trapo da torcida Verdolaga. Frame da transmissão.

Trapo da torcida Verdolaga. Frame da transmissão.

Essa nova família não é nova. As pessoas sendo humanas, tendo empatia, se importando umas com as outras em um estádio de futebol transbordante de amor – e pessoas, milhares e milhares ficaram de fora – era a utopia do Eduardo Galeano. Muito além das “veias abertas”, o uruguaio terminou seus dias acreditando nas pessoas e no seu poder transformador. Acreditando em uma unidade latinoamericana que, amparada em origens comuns, unisse esses povos em torno de si mesmos. Essa identidade abrangente e plural foi alcançada dentro do seu maior amor: o futebol. O que aconteceu no Atanásio Girardot era a presença do próprio Galeano em sua essência.

Mas ela é até bem mais velha do que o uruguaio. Data do início do século XIX. Essa nova família era o sonho de Símon Bolívar. O venezuelano foi o primeiro a levantar a bandeira da independência das colônias nas Américas. À independência na América sempre juntou a vontade de uma pátria única, uma grande federação de países solidários entre si. Ajudou a tirar do jugo espanhol a Colômbia, o Peru. A Bolívia se chama dessa forma em sua homenagem.

Esse pensamento de união da grande pátria motivou a Conmebol a chamar o torneio que integrava todos os campeonatos da América do Sul de Libertadores de América. Esse é o motivo do torneio existir. De nos engalfinharmos por 38 rodadas e comemorarmos a vaga. É a essência da nova família que nasce e renasce, mas que não fazia sentido para muitos brasileiros, isolados na língua e nas mudanças de regime lentas e pouco traumáticas. Essa nova família que, agora, depois do que se viu em Medellín, finalmente enxergamos. Somos o nosso povo, somos as nossas dores, somos o nosso respeito.

O Atlético Nacional era adversário da Chapecoense. Só tinham as datas de um jogo importante em comum. Em português do Brasil isso é mais ou menos como ser inimigo. Os colombianos nos mostraram que, pra eles, é ser um companheiro. Alguém com quem vamos dividir um momento especial. Eles nunca jogaram contra os Condás. Eles não tinham uma história de rivalidade para compartilhar. Pode ser que nunca mais se enfrentem em toda a história. Isso não impediu os torcedores, a equipe, a cidade, o país abraçasse o seu adversário e chorasse junto. Como irmãos. Como uma nova família que nasce.

Me sinto grato por me ensinarem mais uma vez por que vale a pena comemorar uma vaga na Libertadores. Me sinto honrado de ter dividido o campo com essa gente enorme em 2014. Não tenho palavras para agradecer a esses novos amigos, essa nova família, por dividirem um momento tão grande da sua história, a final de 1995, com a gente. E, acima de tudo, não tenho como passar para esse texto o quanto sou grato por me fazerem entender o que é que eu amo no futebol. O que é que eu tanto amo na humanidade. O que é que faz de mim apenas mais um rapaz latinoamericano. Um igual. Da família.

Obrigado, Atlético Nacional. Obrigado por serem maiores que a dor. Maiores que as fronteiras. A Copa Libertadores não poderia ter um campeão mais digno.

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3 + comentários

  • RAFAEL 1 de dezembro de 2016 - 01:32 Responder

    Eles tiveram um caso de amor muito intenso e até recente com o Pablo Escobar. Muito amor, muitas tragédias… Eles souberam superar isso tudo na forma deles e não é com seriados da Netflix ou documentários rasos sobre um traficante que vai nos ensinar sobre aquele povo.

    Medellin foi gigante desde aquela época e só agora nos mostrou o quanto eles se uniram e abraçam os outros. Infelizmente, de novo por uma tragédia, mas assim é a vida…

    Tudo de melhor pros colombianos e pros de Chapecó! Que essa cicatriz se transforme em marca de guerra que põe medo aos adversários! #ForçaChape!

  • Ezio 1 de dezembro de 2016 - 09:11 Responder

    Grandeza é pouco pra definir o gesto da torcida e dirigentes/atletas do Nacional. Estão todos de parabéns. Realmente são dignos do titulo de Campeões da Libertadores e de representarem o continente no Mundial.

  • Silverio Ricardo Corazza 1 de dezembro de 2016 - 09:43 Responder

    Excelentes e oportunas palavras… Parabéns pelo texto Fagner.
    Eduardo Galeano, Dante Ramon Ledesma, entre outros.. foram artistas das palavras e da música que nos ensinaram muito sobre futebol e América Latina..
    Neste momento, todos devemos fazer prevalecer a solidariedade…
    Parabéns latinoamericanos pela sensibilidade, que nós brasileiros possamos aprender e compartilhar o orgulho de fazer parte deste continente.
    #ForçaChape

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