Grêmio Libertador

Desgrenalizar a grenalização

Dizem que tem gente por aí declarando que prefere os rivais na série B a um título este ano. Escrevo “dizem que” porque custo a crer que, de fato, alguém deite a cabeça no travesseiro à noite pensando que acordaria feliz de verdade com a notícia de que “o Internacional está na segundona”. Porque custo a crer que as pessoas condicionem a sua felicidade à aniquilação do outro, invariavelmente considerado inimigo. E nisso talvez eu esteja na contramão do mundo.

Não faltam exemplos diários de que a humanidade funciona e funciona cada vez mais dentro desta lógica de que precisamos dividir o mundo entre “Nós” e os “Outros”, que existimos para odiar aquilo e aqueles que são diferentes e que só teremos paz quando estes “Outros” estiver infeliz, miserável, morto – o que, em gauchês, temos chamado de GRENALIZAÇÃO.

Estão aí os bolsominions, os separatistas sulinos, o Donald Trump, o Estado Islâmico. Estão aí os feminicídios, os ataques homofóbicos, os atentados a bomba, os projetos de muros, tantas vítimas, tantas e de tantos lugares, de tantas línguas, tantas cores. Tudo e todos aí, me dizendo que sou eu que devo estar errada em achar que ser feliz é se olhar no espelho e se reconhecer em meio a uma multidão de gentes diversas.

Prevejo que alguém, ao chegar à metade do segundo parágrafo, já soltou um “mas que exagero, que comparação descabida”. Então, deixa eu aproveitar este choque para dizer que não, não é.

Sim, há diferença entre se defender torcer para o colorado na segundona mais do que por um título tricolor e eu sair por aí dizendo que “é preciso fechar as fronteiras para a entrada destes pretos, pobres haitianos que vêm aqui roubar nossos empregos” em vez de defender uma política econômica que de fato crie empregos de qualidade para todos. Mas é uma diferença de escala.

Digamos que, houvesse uma escala de ódios de 0 a 10, odiar o rival do futebol a ponto de se esquecer que tu é gremista e não anticolorado estaria ali perto do 1, enquanto xenofobia está lá batendo no 10. O problema é que, uma vez na escala, pular de um grau a outro não é muito difícil.

Não digo que o cara que hoje baba de ódio querendo o Inter na segunda divisão amanhã estará botando fogo em índios. Não estou falando do comportamento de indivíduos (embora eu tenha dados empíricos, coletados em qualquer rede social, que indivíduos que tendem a ser babacas, são babacas em diferentes escalas), mas dos comportamentos de massa. Uma sociedade que acha normal torcer contra e não a favor é uma sociedade que tolera a ideia da aniquilação do outro.

Olha que linda a grenalização! (Torcida mista no Grenal 409. Foto: Lucas Uebel/Grêmio Oficial – via Flickr)

Então, bem polianamente, eu venho aqui propor um exercício para fazermos coletivamente: rever o conceito de grenalização.

Vai mais de um século que vivemos, entre o Mampituba e o Rio da Prata, divididos entre azuis e vermelhos e, desde então, vivemos e sobrevivemos GRENALIZADOS compartilhando este mesmo espaço. Eu diria, ouvindo Kleiton e Kledir cantando com Vitor Ramil (pra ficar num exemplo de família grenalizada), que o fizemos com algum sucesso. Ou seja: a ideia de que somos diferentes uns dos outros nos serviu – a nós, os gremistas e os colorados – positivamente para sermos quem somos.

Então, vamos nos olhar no espelho, entre tantos vermelhos, só pra nos ver mais azuis.

Eu acredito nisso. E na conquista de um título.

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