Grêmio Libertador

Desta vez não fomos Coperos

A Libertadores 2014 já era pra nós, mas isso não quer dizer que devemos deixar de refletir sobre o que foi feito de certo e de errado. Simplesmente “deixar pra trás” só vai aumentar a probabilidade de repetirmos os erros que nos alijaram da conquista nesse ano. Não que essa edição da Libertadores esteja barbada como alguns dizem (nunca é), mas tínhamos a faca e o queijo na mão pra chegar, ao menos, nas semifinais. Sobre isso, pedi para meu amigo Rafa Bacchin resumir num texto tudo que conversamos depois (e antes até) da eliminação para o time do Papa. Segue abaixo:

A Conmebol brindou o Grêmio com uma considerável vantagem: a de disputar a última partida da fase de grupos, já sabendo qual adversário poderíamos enfrentar na próxima etapa, e ainda em qual chaveamento estaríamos inseridos, dependendo da variável do desfecho do nosso Grupo 6, o “da morte”.

Assim entramos em campo, contra o eliminado Nacional do Uruguay, um adversário que apenas jogava pela sua camiseta, e pelo respeito aos hinchas charruas que viajaram dezenas de horas, apenas no alento de buscar um desfecho honroso na competição continental.Barcos abriu o placar, de penalti, logo aos 12 minutos do primeiro tempo. Corre o relógio e o placar continua o mesmo na Arena. Já no segundo período, atenções voltadas para El Coloso del Parque em Rosario, onde o Newell’s como local, vai sendo batido inapelavelmente e de forma até surpreendente, pelo Atlético Nacional da Colômbia por 3×1.

A situação de momento era a seguinte: a vitória tricolor apontava o cotejo com o San Lorenzo. E mais, lendo a tabela, se conseguíssemos o triunfo contra o time do Papa (que folclore isso!), enfrentaríamos teoricamente o Cruzeiro nas quartas, e prosseguindo o Atlético-MG na semifinal. Em outras palavras, teríamos que matar em sequencia os atuais campeões argentino, brasileiro e da Libertadores. É mole?!

Havia um atenuante para esse tortuoso caminho: sofrer um “maroto” empate nos minutos finais, terminar a partida em 1×1, consolidar da mesma forma a melhor campanha no grupo, mas enfrentar o Lanús nas oitavas, e avançando o vencedor de Leon x Bolívar.

Não tinha dúvidas de que o Grêmio “Copero” escolheria a segunda opção. Estava curioso para ver quem cometeria a pataquada de um gol contra ridículo, ou de um pênalti infantil. Os minutos foram se exaurindo, assim como a minha paciência. Nossos zagueiros jogaram muito naquela noite, como poucas vezes se viu na temporada… Passei a gritar, protestar, xingar, e clamar por um gol “salvador” do Bolso. Junto com amigos gremistas enfurecidos, que se aperceberam da diferença da caminhada que nos esperava com aquele infeliz resultado, cogitamos até mesmo invadir o campo (isso é brincadeira).

Termina o jogo, ganhamos. O caminho provável será San Lorenzo > Cruzeiro > Atlético-MG. Gremistas comemoram. O que repercute em síntese no ambiente gremista e nas redes sociais: “somos a segunda melhor campanha de toda Libertadores, destroçamos o grupo da morte, ninguém está jogando mais do que o Grêmio, atropelaremos quem vier pela frente, esse San Lorenzo é muito fraco, quem quiser ser campeão não pode escolher adversário, Lanús é bem melhor que o San Lorenzo (juro que ouvi muito isso)” e por aí vai… Não dormi aquela noite, infelizmente prevendo o pior.

Na minha opinião até tivemos um bom enfrentamento contra o San Lorenzo. Jogamos da maneira que se joga Copa no Nuevo Gasômetro. Nos portamos bem na cancha, suportamos de forma satisfatória a pressão, tivemos chances e perdemos no detalhe. O resultado que foi muito ruim. Na volta poderíamos ter tido uma intensidade maior, mas o conjunto bem organizado de Edgardo Bauza conseguiu neutralizar com méritos o ímpeto tricolor. Perdemos na loteria em um confronto igual. Desclassificação. Tristeza. A Copa já era.

Alijados da competição, só nos restou acompanhar de longe. O menosprezado San Lorenzo passa sem sustos pelo Cruzeiro, tido como o grande “bicho papão” da competição. A equipe de Bajo Flores, assim, já elimina os dois tidos como grandes favoritos para conquistar a Orelhuda. Por outro lado, o Lanús, de forma patética, é desclassificado pelo Bolívar, time até então desprezível no contexto sulamericano (candidato a novo Once Caldas ou 2006 FC?).

Este é o ponto. Tivemos a oportunidade de escolher um caminho mais aprazível e não o fizemos. Fomos arrogantes, achando que a grande campanha no grupo encardido nos credenciaria a vencer os confrontos sem dificuldades, fosse lá quem viesse.

Subestimamos um time que acabava de ser campeão argentino, que não é uma excelência técnica, mas que possui bons jogadores como Nacho Piatti, Angel Correa (já vendido para o Atlético Madrid), Mercier, Nico Blandi, Buffarini, e uma disciplina tática elogiável. Soma-se a isso a perseguição histórica do San Lorenzo por um título, o único grande argentino que nunca conquistou a América, que é alvo de piadas de seus adversários com sua sigla CASLA (Club Argentino Sin Libertadores de America). Sua Barra Brava, “La Gloriosa Butteler”, entoa cânticos em sua maioria com os seguintes temas: “vamos voltar a Boedo” (bairro do antigo estádio) e “Libertadores é nossa obsessão”.

O modesto Lanús, de torcida pequena, de orçamento de clube de Gauchão, sem ambição de vôos maiores, certamente seria um adversário muito menos duro. Sua maior expressão técnica por exemplo é um zagueiro, Paolo Goltz (queria ver no Grêmio). Foi eliminado por outro clube modesto do seu tamanho.

Escolhemos o caminho errado. Falta de planejamento? Arrogância? Desconhecimento? Talvez a resposta seja por todas estas razões, mas o fato é que somente se ganha uma Libertadores com sangue, suor, lágrimas, malandragem, e a habilidade de jogar com o regulamento “debaixo do braço”. Desculpe Grêmio, mas desta vez não fomos Coperos.

Escolhemos um caminho sinuoso, onde teríamos que jogar sempre com a corda esticada, tendo que jogar todos enfrentamentos no nosso limite, sujeito a lesões, suspensões, e inevitável desgaste emocional e físico.

O futebol é um esporte apaixonante onde um pequeno detalhe, como uma bola que beliscou o poste e não entrou, um morrinho no gramado que fez a bola tomar uma trajetória diferente, um erro de arbitragem, uma chuvarada no dia que o time local precisava reverter um placar adverso faz diferença. Coisas aleatórias que podem determinar o sucesso ou revés de toda uma temporada, ou outras nem tão aleatórias assim, depende do ponto de vista.

O certo é que, ainda assim, resta espaço para o previsível, o planejável, para aquilo que possa imputar à expertise em minimizar riscos, e por que não a uma certa sagacidade?

Saudações tricolores,

Rafa Bacchin
Twitter: @rafa_bacchin

Comparilhe isso: