Grêmio Libertador

O futebol é parte da sociedade até na imbecilidade

Esse é mais um texto sobre o Miller Bolaños. Mas eu não quero aqui justificar resultado, ou BO, ou colocar o Willian no cadafalso. Quero só fazer algumas colocações que me incomodaram muito na forma como o episódio foi tratado tanto pelo Grêmio, quanto pelo Inter, tanto pela Imprensa e, principalmente, pela torcida. Vou ser breve:

Bolaños e Willian em ação. Foto do Lucas Uebel/Grêmio Oficial (via Flickr)

1- Cotovelos não fazem parte do futebol. Nos anos 90/2000 houve uma campanha mundial repudiando os carrinhos. Isso porque diversos jogadores estavam quebrando as pernas ou rompendo ligamentos naquele tipo de lance. Depois de muito debate, o que ficou decidido: carrinhos por trás deveriam receber vermelho direto. Carrinho qualquer que não acerte a bola, amarelo. Carrinhos com força excessiva, mesmo na bola, amarelo. Carrinho lateral que acerte a bola: ok. O principal problema do carrinho por trás, que justificaria o vermelho direto, era: o jogador não tem chance de se defender, pra tentar diminuir o estrago. E era um recurso muito utilizado por zagueiros.

Pois bem, é o mesmo caso do cotovelo: não tem como o “cotovelado” se defender. Ele está olhando pra bola. E a quantidade de vezes que ele está sendo utilizado em campo é tamanha que as pessoas NATURALIZARAM o jogar o cotovelo pra trás como se fosse NORMAL DE JOGO. Nunca foi. É uma decisão de algumas pessoas “aceitar” esse tipo de lance. Antes de saltar para uma bola aérea o jogador já atira os braços pra cima. Olha os vídeos de antigamente, vê quando se fazia isso. É quase um “azar de quem tá vindo”. Da mesma forma, cotoveladas “tomando a frente” (antes era apenas abrir os braços) estão cada vez mais altas. Não se atinge mais o peito, a barriga. Elas vão no rosto. ISTO TEM QUE ACABAR. O caso do Miller ilustra exatamente o motivo.

2- A vítima é vítima, não culpado. Não interessa se ele vinha a um milhão de quilômetros por hora atrás da bola no momento que o adversário toma a frente. Ninguém espera uma cotovelada. Entendo o zagueiro tentar naturalizar o movimento, mas não é, como explicado acima. É aí que a gente precisa agir. Jogadores da base aprenderam que não é para sair dando carrinho porque seriam punidos com severidade se errassem. Virou último recurso, ninguém é conhecido por ser um bom “carrinhador”. Isso precisa ser feito da mesma forma com o cotovelo. Educar. Não registrar um BO, não queimar em praça pública. Porém, não deixar de barbada. O acidente não ocorreu sozinho e a atitude foi temerária demais pra se passar a mão na cabeça.

Dizer que o Miller pediu pra ser quebrado com uma cotovelada por ter chegado “muito rápido” na jogada é tão abominável e sem sentido quanto dizer que uma menina andando de saia curta na rua tá pedindo pra ser estuprada. Cotovelada não faz parte do futebol, assim como ser submetido à força não faz parte da sociedade. E a existência de ambas é algo que devemos COMBATER COM TODAS AS FORÇAS ao invés de, convenientemente, aceitar (não aconteceu comigo, porque vou me solidarizar, não é mesmo?).

3- Pessoas são maiores que clubes. Quem está no hospital, quem ficará 40 dias comendo de canudinho, é uma pessoa. Assim como a que ajudou esse acidente a acontecer também é. Não é possível que alguém vá lá dizer que “nem doeu”, que “tá fingindo” só porque veste outra camiseta. Assim como também não é possível atirar toda a culpa no autor da ofensa (mesmo sem intenção). Isso não pode virar grenalzinho de dirigente.

Querer matar o Willian é exatamente a mesma coisa do que querer matar um ladrão. O Willian cresceu num ambiente (escolinha, time da base) que disse pra ele: TE PROTEGE (pega uma arma), ABRE OS BRAÇOS (mostra que tá armado), DÁ UMA COTOVELADA (dá uma coronhada), MOSTRA QUE NÃO TEM MEDO (diz que vai atirar), ADVERSÁRIO É INIMIGO (se tu não matar, ele te mata), etc. Quando dá merda, ele pensa. Se tem apoio, se tem um reforço desse comportamento  – como um treinador (um chefe), um presidente (um líder de quadrilha) dizendo que ele tá certo ele vai achar que realmente tá certo e vai se achar injustiçado. Da mesma forma que se quem sofreu ficar colocando toda a culpa do mundo nas costas dele (bandido bom é bandido morto), sem entender o contexto que ajudou ele a se tornar isso , ele vai reforçar esse sentimento de injustiça. E não vai aprender nada – a não ser que o cara seja uma pessoa extremamente sensata a ponto de quebrar sozinha o ciclo vicioso. (Spoiler: é muito mais fácil ele repetir o crime).

Enquanto isso, falta ainda 30 dias pro cara seguir comendo de canudinho. E o outro envolvido não aprendeu nada e continua marginalizado. Adianta o quê? Quem ganha alguma coisa?

4- Se dirigentes forem imbecis e contribuírem para ambientes de guerra, guerras ocorrem. Violência gera violência. Como eu falei no item 1, assim como carrinho por trás, chute sem bola, chute que não visa a bola, solada por cima da bola, etc, tudo isso é VIOLÊNCIA, não futebol. Não esporte. Isso não pode ser naturalizado, muito menos relativizado ou estimulado. O resultado da violência sempre deve ser usado para reduzir, pra que isso não se repita. Precisamos desarmar as torcidas. Precisamos ser mais humanos quando isso acontece.

Mas, parece isso é pedir demais pras diretorias. “Combustível motivacional”, quando vai pro ar livre, no meio de torcidas que fazem faísca, gera incêndio. Quanto mais, pior. Tratem essas ocorrências como devem ser tratadas: exemplos de como NÃO fazer. Do que não pode acontecer. De como o Grenal NÃO DEVE SER. Vamos desarmar o torcedor.

Comparilhe isso: