O futebol é parte da sociedade até na imbecilidade

4 Postado por - 8 de março de 2016 - Artigos

Esse é mais um texto sobre o Miller Bolaños. Mas eu não quero aqui justificar resultado, ou BO, ou colocar o Willian no cadafalso. Quero só fazer algumas colocações que me incomodaram muito na forma como o episódio foi tratado tanto pelo Grêmio, quanto pelo Inter, tanto pela Imprensa e, principalmente, pela torcida. Vou ser breve:

Bolaños e Willian em ação. Foto do Lucas Uebel/Grêmio Oficial (via Flickr)

Bolaños e Willian em ação. Foto do Lucas Uebel/Grêmio Oficial (via Flickr)

1- Cotovelos não fazem parte do futebol. Nos anos 90/2000 houve uma campanha mundial repudiando os carrinhos. Isso porque diversos jogadores estavam quebrando as pernas ou rompendo ligamentos naquele tipo de lance. Depois de muito debate, o que ficou decidido: carrinhos por trás deveriam receber vermelho direto. Carrinho qualquer que não acerte a bola, amarelo. Carrinhos com força excessiva, mesmo na bola, amarelo. Carrinho lateral que acerte a bola: ok. O principal problema do carrinho por trás, que justificaria o vermelho direto, era: o jogador não tem chance de se defender, pra tentar diminuir o estrago. E era um recurso muito utilizado por zagueiros.

Pois bem, é o mesmo caso do cotovelo: não tem como o “cotovelado” se defender. Ele está olhando pra bola. E a quantidade de vezes que ele está sendo utilizado em campo é tamanha que as pessoas NATURALIZARAM o jogar o cotovelo pra trás como se fosse NORMAL DE JOGO. Nunca foi. É uma decisão de algumas pessoas “aceitar” esse tipo de lance. Antes de saltar para uma bola aérea o jogador já atira os braços pra cima. Olha os vídeos de antigamente, vê quando se fazia isso. É quase um “azar de quem tá vindo”. Da mesma forma, cotoveladas “tomando a frente” (antes era apenas abrir os braços) estão cada vez mais altas. Não se atinge mais o peito, a barriga. Elas vão no rosto. ISTO TEM QUE ACABAR. O caso do Miller ilustra exatamente o motivo.

2- A vítima é vítima, não culpado. Não interessa se ele vinha a um milhão de quilômetros por hora atrás da bola no momento que o adversário toma a frente. Ninguém espera uma cotovelada. Entendo o zagueiro tentar naturalizar o movimento, mas não é, como explicado acima. É aí que a gente precisa agir. Jogadores da base aprenderam que não é para sair dando carrinho porque seriam punidos com severidade se errassem. Virou último recurso, ninguém é conhecido por ser um bom “carrinhador”. Isso precisa ser feito da mesma forma com o cotovelo. Educar. Não registrar um BO, não queimar em praça pública. Porém, não deixar de barbada. O acidente não ocorreu sozinho e a atitude foi temerária demais pra se passar a mão na cabeça.

Dizer que o Miller pediu pra ser quebrado com uma cotovelada por ter chegado “muito rápido” na jogada é tão abominável e sem sentido quanto dizer que uma menina andando de saia curta na rua tá pedindo pra ser estuprada. Cotovelada não faz parte do futebol, assim como ser submetido à força não faz parte da sociedade. E a existência de ambas é algo que devemos COMBATER COM TODAS AS FORÇAS ao invés de, convenientemente, aceitar (não aconteceu comigo, porque vou me solidarizar, não é mesmo?).

3- Pessoas são maiores que clubes. Quem está no hospital, quem ficará 40 dias comendo de canudinho, é uma pessoa. Assim como a que ajudou esse acidente a acontecer também é. Não é possível que alguém vá lá dizer que “nem doeu”, que “tá fingindo” só porque veste outra camiseta. Assim como também não é possível atirar toda a culpa no autor da ofensa (mesmo sem intenção). Isso não pode virar grenalzinho de dirigente.

Querer matar o Willian é exatamente a mesma coisa do que querer matar um ladrão. O Willian cresceu num ambiente (escolinha, time da base) que disse pra ele: TE PROTEGE (pega uma arma), ABRE OS BRAÇOS (mostra que tá armado), DÁ UMA COTOVELADA (dá uma coronhada), MOSTRA QUE NÃO TEM MEDO (diz que vai atirar), ADVERSÁRIO É INIMIGO (se tu não matar, ele te mata), etc. Quando dá merda, ele pensa. Se tem apoio, se tem um reforço desse comportamento  – como um treinador (um chefe), um presidente (um líder de quadrilha) dizendo que ele tá certo ele vai achar que realmente tá certo e vai se achar injustiçado. Da mesma forma que se quem sofreu ficar colocando toda a culpa do mundo nas costas dele (bandido bom é bandido morto), sem entender o contexto que ajudou ele a se tornar isso , ele vai reforçar esse sentimento de injustiça. E não vai aprender nada – a não ser que o cara seja uma pessoa extremamente sensata a ponto de quebrar sozinha o ciclo vicioso. (Spoiler: é muito mais fácil ele repetir o crime).

Enquanto isso, falta ainda 30 dias pro cara seguir comendo de canudinho. E o outro envolvido não aprendeu nada e continua marginalizado. Adianta o quê? Quem ganha alguma coisa?

4- Se dirigentes forem imbecis e contribuírem para ambientes de guerra, guerras ocorrem. Violência gera violência. Como eu falei no item 1, assim como carrinho por trás, chute sem bola, chute que não visa a bola, solada por cima da bola, etc, tudo isso é VIOLÊNCIA, não futebol. Não esporte. Isso não pode ser naturalizado, muito menos relativizado ou estimulado. O resultado da violência sempre deve ser usado para reduzir, pra que isso não se repita. Precisamos desarmar as torcidas. Precisamos ser mais humanos quando isso acontece.

Mas, parece isso é pedir demais pras diretorias. “Combustível motivacional”, quando vai pro ar livre, no meio de torcidas que fazem faísca, gera incêndio. Quanto mais, pior. Tratem essas ocorrências como devem ser tratadas: exemplos de como NÃO fazer. Do que não pode acontecer. De como o Grenal NÃO DEVE SER. Vamos desarmar o torcedor.

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17 + comentários

  • Gilka 8 de março de 2016 - 20:52 Responder

    Adorei o comentário, dígno de um cristão. Parabéns. Tomara que leiam e entendam e mudem pois é lindo ser honesto e valoroso!

    • Fagner 8 de março de 2016 - 21:14 Responder

      Olha, sou ateu, mas valeu igual. A gente também pode ser isso aí.

      Saludos,
      Fagner

      • Dexter 9 de março de 2016 - 09:29 Responder

        “A gente também pode ser isso aí.”

        Muito bom, garoto, eheh. E que baita texto.

  • Anderson Aguzzoli 8 de março de 2016 - 21:03 Responder

    nada a acrescentar! concordo plenamente

  • Raukoores 8 de março de 2016 - 21:52 Responder

    Bravo, não teria dito melhor.

  • almir brum de oliveira 8 de março de 2016 - 22:10 Responder

    Fagner, sua colocação foi bem precisa. Hoje expressei minha opinião para a FGF, se eles vão ler eu não sei. É a seguinte, se os braços abertos aumenta o raio de ação e é punido com falta, a abertura dos cotovelos pricipalmente acima dos ombros também devem ser punidos e se for considerada a agressão, punição com cartão vermelho.

    • Fagner 8 de março de 2016 - 23:37 Responder

      Precisamos falar disso, como já fizemos com os carrinhos. Essa ideia já seria um grande avanço.

      Saludos,
      Fagner

  • Ezio 8 de março de 2016 - 22:46 Responder

    Grande texto Fagner show de bola…Falavam dos anos 90 ate colorados nitidamente justificando o ocorrido de domingo ao esrilo pegador do felipao só que eles esquecem que jamais aquele time tirou algum adversario de campo por mais de 30 dias como aconteceu com o Miller.

  • joarez 8 de março de 2016 - 23:19 Responder

    que bosta, tem que caga esse willian a pau

    • Fagner 8 de março de 2016 - 23:36 Responder

      Não, cara. Tem que deixar de achar que tudo se resolve com violência. Só gera mais, inclusive. Ou tu acha que ninguém vai querer se vingar de quem fizer?

      Saludos,
      Fagner

  • Teresinha de Vargas 8 de março de 2016 - 23:42 Responder

    Ao verdadeiros culpados, são os dirigentes que deveriam orientar e dar bons exemplos aos jogadores ,e fazem o contrário. Quando acontece um incidente gravíssimo como este, ainda ficam contando vantagem, como a desgraça alheia. São pessoas inrresponsáveis que nem deveriam pensar em dirigir uma instituição, principalmente de Esportes.

    • Fagner 8 de março de 2016 - 23:53 Responder

      Exatamente. Esporte em primeiro lugar. Mas profissionalismo também passa por aí.

      Saludos,
      Fagner

  • Jonatha Zimmer 9 de março de 2016 - 07:33 Responder

    Baita texto!

    Excelente construção e comparações com outros problemas (em relação a violência) que ocorrem na sociedade.

    Tenho tendência a acreditar que o futebol acaba refletindo a sociedade em vários pontos, principalmente o comportamento. Essa situação de culpar a vítima e ao mesmo tempo ansiar por um “linchamento público” do agressor (no futebol e em outras situações) só mostra que ainda olhamos pelo prisma errado as situações.

    Fico muito feliz de ver um apontamento como este do texto partir de um gremista e de um blog como o Grêmio Libertador. A tristeza vem em não perceber nem um fiapo desta lucidez por parte da imprensa em geral.

    Parabéns mais uma vez.

  • jose fernando machado 9 de março de 2016 - 08:58 Responder

    EXCELENTE.Só espero que as direções da dupla grenal leiam a reflitam.Que nos próximos grenais possa se assistir FUTEBOL,

  • Pablo Olivieri 9 de março de 2016 - 09:48 Responder

    Boa Reflexão! Só possível de ser escrita depois que toda adrenalina abaixa e apenas quando se tem a capacidade de observar de fora. Imagino que para alguém que more em no RS ou em especificamente POA seja bem difícil. A [re]educação tem de ser completa, desde dirigentes, treinadores, base, atletas e árbitros. Sonhar com a profissionalização de cargos como os dos presidentes e todo o staff e também dos árbitros, para o Brasil, é algo inviável, mas seria a solução. Nossos clubes não possuem um dono que quer lucrar, possuem sanguessugas que querem locupletar – a grande maioria, ao menos. E quando aparentam ter um bom discernimento da própria função, ainda permanecem torcedores… E torcedor é tudo o que se espera que um dirigente seja. Enfim, bom texto! []’s

  • Matheus 9 de março de 2016 - 11:23 Responder

    Uma pena que quem está no poder dos clubes de futebol não possua essa sensatez.

  • Artur Wolff 9 de março de 2016 - 12:42 Responder

    Informado que Werley estará no banco hoje.
    Um fato aparentemente sem importância dão uma boa indicação do porquê este clube não ganha títulos importantes há tanto tempo.
    Por que Werley ainda está no plantel do Grêmio? Eu mesmo respondo; porque nenhum time de primeira linha quer esta naba.
    E aí vem a máxima; jogador ruim no plantel sempre acaba jogando.
    Continuar com atletas que já se sabe não tem condições de jogar em um clube que almeja títulos infelizmente tem sido uma característica marcante e repetitiva do Grêmio nos últimos anos.
    Sucedem-se falhas e derrotas.
    Burrice é repetir os erros e não aprender com eles

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