Grêmio Libertador

O irritante torcedor de final

Ele não se importa com mais ninguém. O que interessa é ele estar ali, no momento bom, surfando na onda da alegria. E é festa, não tente pedir para ele não ser babaca. Tudo é liberado. Ainda mais nesse período de seca de 15 anos. A última final que ele assistiu foi no Olímpico, ainda, em 2007. São nove anos praticamente apartado do Grêmio. Xingando na TV e indo em jogos decisivos. Seja por grana curta, seja por que não vê graça nos outros jogos. Seja sócio ou não. Temos cerca de 45 mil torcedores desse tipo que estarão mais uma vez na Arena dia 30/11.

Por do sol na Arena. Foto do Lucas Uebel/ Grêmio Oficial (via Flickr)

E ele vai com o seu melhor espírito, que é o de porco. Que se fodam tudo e todos, ele vai torcer do jeito dele e ai de quem queira intervir. De pé, porque é assim que se torce. É final, vovô. Fica em pé aí. 80 anos de idade é desculpa. Sair da frente dessa criança de quatro anos para que ela também possa ver o jogo? Eu não estou vendo o jogo, estou bêbado, o titio vai ficar aqui na tua frente de pé. Aprende desde pequeno que isso é que é futebol. Ei, gostosa, vem sentar aqui no meu colo. Não te ofende, querida, estou te elogiando, se tu fosse um dragão eu não convidava.

Eu sempre fico impressionado com o torcedor de final. Como ele consegue essa façanha de passar às vezes meio ano sem ir ao estádio e achar que a maneira como ele torce é que é a certa. Não interessa se o vovô de 80 anos e a criança de cinco estiveram lá na Arena desde Grêmio x Veranópolis. Que viram um dos únicos pênaltis assinalados à favor do Grêmio em cima do Everton ser convertido pelo Luan naquele 2×0 no Coritiba. Eles não merecem assistir o jogo porque não sabem torcer, segundo o torcedor de final. O certo é ficar de pé pra cantar e incentivar.

Eu canto com a boca. Ficar sentado só abafaria a voz de quem canta com o cu. E, olha, acho que é nesse sentido que a coisa vai. Porque é muita merda que sai quando o torcedor de final abre a boca pra justificar a sua imbecilidade. Quem vê ele (na grande maioria são homens, mas tem mulheres também) acha que nunca fará 70 anos. Que seu joelho sempre estará bem para ficar em pé em qualquer escanteio, não interessa quem está atrás (aliás, no ano inteiro acho que temos uns três gols nessa situação, mas quem se importa?) Que nunca vai ter filhos e precisar ver o jogo inteiro no colo porque é a única maneira deles assistirem alguma coisa.

O pior é que o clube também parece adorar o torcedor de final. Porque não dá nenhum tipo de suporte para que o vovô de 80 anos e a criança tenha o mínimo de possibilidade de ir a uma final. Aqueles que viram toda a trajetória sentados – porque não existe outra maneira deles verem – não tem defesa alguma contra o senhor da verdade, o torcedor de final. Seria muito fácil dividir espaços para quem gosta de assistir o jogo com o torcedor de final e outros para quem é torcedor normal. Mas não. Fiquem em casa, vovô, é jogo grande – essa é a mensagem cifrada do clube.

Teremos mais uma final agora. Outras virão. Vencendo ou perdendo, essa situação parece que não vai ter fim. Depois o clube reclama que só 12 mil foram assistir o time atingir a primeira posição do Brasileiro. Enquanto não fizerem o mínimo para organizar minimamente os ingressos e a disposição do público no estádio seguiremos assim. Enquanto não se preocuparem com toda a experiência de campo, em educar o seu torcedor a respeitar o próximo, 12 mil é muito mais do que merecem. Torcedor de final: se toca. Seja gente.

PS: As crianças são particularmente achincalhadas pelo Grêmio. A diferença entre o sócio e o não sócio é o ingresso e o voto. Porém, crianças à partir de 3 anos, para terem direito ao ingresso liberado ou a compra prioritária, precisam pagar exatamente o mesmo que um adulto. O que faz com que apenas alguns que tem dinheiro sobrando coloquem os filhos nessa condição. A maioria leva nas promoções de R$10,00 por jogo que ocorrem “na ruim”. Aí, na final, levar criança é uma roleta russa: o adulto compra o seu e não pode comprar o seu acompanhante até que se abra a venda para o público geral. Ou seja, criança vai se sobrar, ou paga inteira para ter metade dos direitos (a final, não pode votar até não ser mais criança). É risível, pra dizer o mínimo.

OBS: muita gente veio nos comentários reclamar que eu estou falando mal de quem mora longe e vai pouco ao estádio. E eu sei bem o motivo: eu usei o termo “torcedor de final” no texto. Costumeiramente ele é associado a comparecer pouco ao estádio como se isso fosse uma coisa negativa (alguns usam “turista”, que tem o sentido tão repugnante quanto). É exatamente por ser usado dessa maneira negativa, ofensiva, que eu usei. Mas o recado não é para quem mora longe e só consegue vir de vez em quando nos jogos: é para aquele que se acha mais que os outros (sendo apenas um babaca) e só tem coragem de agir assim na presença de muitos. Não interessa quantos quilômetros percorra ou quantas vezes vá ao estádio por ano. Isso está escrito no texto. Não tirem o termo do contexto onde está inserido.

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