Grêmio Libertador

O falso mundo novo

Se existe um péssimo legado da Copa é a reinvenção da roda através das “lições” que a Alemanha deu no Brasil. Já falei um pouco disso em outro texto, logo depois do evento. A quantidade de tratados sobre onde é que a superioridade alemã é mais avassaladora tá passando, dia após dia, por muita coisa que é mais velha que andar pra frente. A última é o programa da SAP para acompanhamento de desempenho. Segundo um jornalista do O Globo, foi ele quem matou a seleção de Felipão e seu “discurso motivacional”. A Alemanha “manja de tática”, logo, venceu o jogo. E o vídeo propaganda da SAP é realmente impressionante.

Porém, como QUALQUER SOFTWARE, só serve para FACILITAR o trabalho do humano nesse aspecto. O que, parece, é a grande novidade pra esse jornalista (mais um atrasado, como o Pizoni mostrou ontem). Para os profissionais, isso é simplesmente óbvio. Quer um exemplo? Os espaços que, segundo o jornalista, foram revelados pelo ainda experimental Match Insights, o Eduardo Cecconi (ex-jornalista e atual analista de desempenho da base do Grêmio), com muita paciência, algum conhecimento de ferramentas gráficas e MUITO conhecimento do jogo, já tinha mostrado: o 7×1 foi resultado da ocupação dos espaços importantes (leia aqui). Acho que ele ficaria feliz em ter um desses, porque ia economizar muito tempo pra ele fazer coisas que realmente interessam, como analisar esses dados (além do software integrar outras áreas, o que o jornalista nem se deu o trabalho de ver).

Eu adoro tática. Procuro aprender sempre. E eu não vivo disso. Agora, alguém dizer que “fulano é bom porque entende de tática”? Oras. Pra quem vive de futebol, isso é não fazer mais que a obrigação. O que me causa espanto é que um jornalista venha dizer que descobriu o “pulo do gato” em algo tão óbvio. Que torcedores realmente acreditem que algum treinador (QUALQUER UM) “não manja de tática”, é “só motivador” (como fizeram com o Renato e, agora, com o Felipão). Tem tática atrás de cada situação de jogo. Mesmo que os “entendidos” da ESPN tenham dito que a seleção “não tinha tática”, o BRASIL TINHA SISTEMA TÁTICO (o Cecconi me ajuda aqui). Tu pode discordar do treinador, ver uma solução melhor. Mas, pra isso, tu precisa entender o que o treinador fez, o que ele poderia estar querendo com isso e se funcionou ou não. Se não, é só choradeira de quem quer só o resultado, que se foda o que o cara tá fazendo (o que não combina com a imprensa).

Infelizmente, com a velocidade da informação, o que mais tem aparecido é afobação. Aí, até coisas ÓBVIAS como o fato de sete jogadores que formam a base da Alemanha jogarem e treinarem juntos todos os dias no Bayern de Munique  são esquecidas. Que é, coincidentemente, a mesma “receita” da seleção da Espanha “tiki-taka” campeã mundial de 2010 (oito jogadores eram do Barcelona). Que, olhem só, em ambos os casos, ficaram ao menos um ano treinando TODOS OS DIAS com um certo Pep Guardiola (aliás, parabéns ao bi-campeão do mundo). A “grande novidade”, tão buscada, não está lá, naquele lado pra onde tão atirando. E, no frigir dos ovos, esse software só iguala os “setores de inteligência”, digamos assim, dos clubes e seleções. O verdadeiro objetivo do crescimento está em prever onde esse movimento de automação (mais um) vai dar e se antecipar a isso (mas aí tem que pensar, e dói, parece).

Em resumo: tem jornalista que não conhece tática de futebol, mesmo vivendo disso. Aí foi no google procurando a SAP, viu o vídeo e sai por aí dizendo que a Alemanha usa isso enquanto a seleção brasileira usa discurso motivacional. Quem é o arrogante, afinal? (Lembra disso principalmente em jogos do Grêmio, como o de hoje).

Prancheta do fisiologista Turibio Leite Barros, que trabalha com elas há muitos anos. Foto: divulgação. Disponível em: http://www.usp.br/aun/imprimir.php?id=5309

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