O falso mundo novo

5 Postado por - 16 de julho de 2014 - Artigos

Se existe um péssimo legado da Copa é a reinvenção da roda através das “lições” que a Alemanha deu no Brasil. Já falei um pouco disso em outro texto, logo depois do evento. A quantidade de tratados sobre onde é que a superioridade alemã é mais avassaladora tá passando, dia após dia, por muita coisa que é mais velha que andar pra frente. A última é o programa da SAP para acompanhamento de desempenho. Segundo um jornalista do O Globo, foi ele quem matou a seleção de Felipão e seu “discurso motivacional”. A Alemanha “manja de tática”, logo, venceu o jogo. E o vídeo propaganda da SAP é realmente impressionante.

Porém, como QUALQUER SOFTWARE, só serve para FACILITAR o trabalho do humano nesse aspecto. O que, parece, é a grande novidade pra esse jornalista (mais um atrasado, como o Pizoni mostrou ontem). Para os profissionais, isso é simplesmente óbvio. Quer um exemplo? Os espaços que, segundo o jornalista, foram revelados pelo ainda experimental Match Insights, o Eduardo Cecconi (ex-jornalista e atual analista de desempenho da base do Grêmio), com muita paciência, algum conhecimento de ferramentas gráficas e MUITO conhecimento do jogo, já tinha mostrado: o 7×1 foi resultado da ocupação dos espaços importantes (leia aqui). Acho que ele ficaria feliz em ter um desses, porque ia economizar muito tempo pra ele fazer coisas que realmente interessam, como analisar esses dados (além do software integrar outras áreas, o que o jornalista nem se deu o trabalho de ver).

Eu adoro tática. Procuro aprender sempre. E eu não vivo disso. Agora, alguém dizer que “fulano é bom porque entende de tática”? Oras. Pra quem vive de futebol, isso é não fazer mais que a obrigação. O que me causa espanto é que um jornalista venha dizer que descobriu o “pulo do gato” em algo tão óbvio. Que torcedores realmente acreditem que algum treinador (QUALQUER UM) “não manja de tática”, é “só motivador” (como fizeram com o Renato e, agora, com o Felipão). Tem tática atrás de cada situação de jogo. Mesmo que os “entendidos” da ESPN tenham dito que a seleção “não tinha tática”, o BRASIL TINHA SISTEMA TÁTICO (o Cecconi me ajuda aqui). Tu pode discordar do treinador, ver uma solução melhor. Mas, pra isso, tu precisa entender o que o treinador fez, o que ele poderia estar querendo com isso e se funcionou ou não. Se não, é só choradeira de quem quer só o resultado, que se foda o que o cara tá fazendo (o que não combina com a imprensa).

Infelizmente, com a velocidade da informação, o que mais tem aparecido é afobação. Aí, até coisas ÓBVIAS como o fato de sete jogadores que formam a base da Alemanha jogarem e treinarem juntos todos os dias no Bayern de Munique  são esquecidas. Que é, coincidentemente, a mesma “receita” da seleção da Espanha “tiki-taka” campeã mundial de 2010 (oito jogadores eram do Barcelona). Que, olhem só, em ambos os casos, ficaram ao menos um ano treinando TODOS OS DIAS com um certo Pep Guardiola (aliás, parabéns ao bi-campeão do mundo). A “grande novidade”, tão buscada, não está lá, naquele lado pra onde tão atirando. E, no frigir dos ovos, esse software só iguala os “setores de inteligência”, digamos assim, dos clubes e seleções. O verdadeiro objetivo do crescimento está em prever onde esse movimento de automação (mais um) vai dar e se antecipar a isso (mas aí tem que pensar, e dói, parece).

Em resumo: tem jornalista que não conhece tática de futebol, mesmo vivendo disso. Aí foi no google procurando a SAP, viu o vídeo e sai por aí dizendo que a Alemanha usa isso enquanto a seleção brasileira usa discurso motivacional. Quem é o arrogante, afinal? (Lembra disso principalmente em jogos do Grêmio, como o de hoje).

Prancheta do fisiologista Turibio Leite Barros, que trabalha com elas há muitos anos. Foto: divulgação. Disponível em: http://www.usp.br/aun/imprimir.php?id=5309

Prancheta do fisiologista Turibio Leite Barros, que trabalha com elas há muitos anos. Foto: divulgação. Disponível em: http://www.usp.br/aun/imprimir.php?id=5309

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16 + comentários

  • Paolo C. Brehm 16 de julho de 2014 - 10:06 Responder

    Bah, mas tá fácil escrever neste blog né; basta patrulhar e criticar a imprensa. Todo jornalista é imbecil e ananá, além do já tradicional mote “se hay RBS, soy contra”.
    Sério gente, vocês podem ser menos clichê. Eu acredito em vocês.

    • Fagner 16 de julho de 2014 - 11:25 Responder

      Prometemos que faremos um setor de tele entrega de postagem. Manda um e-mail e encomenda o tema e a gente escreve sobre. 😉

      Saludos,
      Fagner

  • Eduardo 16 de julho de 2014 - 11:23 Responder

    Ainda que o pessoal da ESPN é um pouco mais preparado e valoriza muito a inteligência dos seus comentaristas. Na maioria eles tem pelo menos noção do que falam e tentam entender o que foi tentado executar. Mas a falta de conhecimento sempre cria esses ‘pulos do gato’. principalmente quando você acha que sabe de alguma coisa.

  • geraldo josé tavares gattolini 16 de julho de 2014 - 13:41 Responder

    Muito legal. Não sabia que o Cecconi tinha ido para a base do Grêmio, baita profissional e estudioso.

  • Fausto 16 de julho de 2014 - 14:35 Responder

    Pra começar a performance da Alemanha, sem tirar os mértitos deles de planejamento, reforma do futebol e da merecida conquista da Copa, não foi tão sensacional assim. Golearam duas seleções com problemas, Brasil e Portugal e no mais foi apertado contra as outras 5 que enfrentaram, incluindo aí seleções medianas como Gana, Argélia e EUA. Inclusive na final estiveram muito mais próximos de perder do que de ganhar, e na prorrogação pesou o aspecto físico, já que tinham tido um dia a mais pra descanso e tinham pegado uma baba na semi-final.

    Com relação ao esquema tático do Brasil, até que tinha, mas acho que o pessoal se refere a pobreza tática de uma forma geral (movimentação, variações, jogadas ensaiadas), que é um pouco do que acontece nos times do Brasil mesmo. Até tem o esquema base definido (4-3-3, 4-4-2 com meio em quadrado, com losango, etc), mas não tem variações táticas pra usar durante o jogo e movimentações que criem alternativas durante a partida. Nessa parada o Enderson treinou bastante, vamos ver se aparece nos jogos. O fato é que se tu só joga de um jeito, vira samba de uma nota só e fica fácil de marcar.

    O problema maior da seleção foi que o Felipão convocou reservas quebra-galho e com características iguais dos titulares e não contava com a decadência técnica de vários titulares ao mesmo tempo, como Fred, Marcelo, Daniel Alves, Paulinho, Oscar e até mesmo Neymar que não conseguiu arrebentar no Barça. Aí ferrou de vez porque ele não tinha reservas que pudessem entrar e mudar a forma de jogar e nem entrar pra resolver, tavam lá só pra quebrar um galho. Imagino que ninguém pensou que Jô pudesse entrar e resolver algum jogo que estivesse enroscado. Não digo que teríamos ganho a copa, mas se não tivesse perdido o Neymar e se esses citados tivessem jogado no nível do ano passado, independente da Espanha ter vindo pra Copa das Confederações só pensando em putaria e ela não ser parâmetro pra nada, nossa performance na Copa do Mundo já seria totalmente diferente.

    Com relação a questão que tu comentou de vários jogadores jogarem juntos numa mesma equipe, isso aí conta mesmo, mas passa pela tal reforma do futebol, na intenção de segurar mais os bons jogadores no país. Porque jamais daria para pegar 7 ou 8 jogadores de um time vencedor por aqui como o Cruzeiro do ano passado, o CAM da Libertadores ou o Corinthians campeão da Libertadores e do mundo. Isso levaria a aberrações como Ricardo Goulart, Fabio Santos ou o próprio Jô com a camisa da seleção.

    O maior legado que essa Copa teve para os clubes foi tempo, que todos sempre reclamam que não tem. Quem soube aproveitar vai colher os frutos agora, quem não soube vai continuar arrumando desculpa.

    • Fagner 16 de julho de 2014 - 15:56 Responder

      Cara, e qual é o problema de jogar a copa com o Ricardo Goulart? Eu queria o Válter de centroavante dessa seleção. Faria a diferença que o Fred não fez. Acho que uma das “revoluções” que o futebol brasileiro precisa é mais torneios contra os europeus, pra mostrar que a grama lá não é tão mais verde assim.

      Saludos,
      Fagner

      • Fausto 17 de julho de 2014 - 16:07 Responder

        Problema é que não seriam os melhores jogadores disponíveis jogando na seleção. Seria uma solução paliativa pra ganhar em entrosamento convocando vários caras do mesmo time. Os caras da Alemanha que jogam no Bayern ou da Espanha que jogavam no Barça eram o que tinha de melhor pro treinador da seleção levar. Nas outras seleções que apresentaram bom futebol na Copa (França, Holanda, Argentina, etc) isso não acontece.

    • Israel 16 de julho de 2014 - 16:03 Responder

      Fausto, só cuidado que essa coisa de botar um reserva para”resolver o jogo” também é um pensamento mágico. Reserva só entra desequilibrando porque o treinador pôde passar para ele orientações táticas diferentes das que teve o cara que está lá em campo.
      O time brasileiro tinha um buraco no meio com a saída de 3, e atacantes muito fixos, isso o Felipão poderia ter mudado com os jogadores que tem a disposição independente das características, se tivesse tido essa leitura de jogo.
      Mesmo em má fase técnica o time brasileiro ainda poderia ter dado mais trabalho, como deram os EUA e Argentina contra a Alemanha ou Austrália e México contra a Holanda.

      • Fausto 17 de julho de 2014 - 15:54 Responder

        Eu quis dizer resolver em função das características. Como colocar um cabeceador e passar a alçar bolas na área. Ou um cara que chuta de fora da área, por aí vai…

    • Rafael Assis 16 de julho de 2014 - 17:57 Responder

      Fausto, concordo com quase tudo que você falou, mas sobre o Brasil, Espanha e copa das confederações, eu acho que naquele torneio nós fomos iludidos e/ou totalmente enganados. Se você fizer uma breve análise, vais ver que de todas as seleções que participaram da copa das confederações, só o Brasil e o Uruguai passaram da primeira fase da copa do mundo. Ou seja, a Copa das confederações não pode ser parâmetro para nada (parâmetro que eu digo no aspecto de atuação dos jogadores da seleção canarinho). Faltou naquele torneio Alemanha, uma Bélgica (uma das melhores na eliminatória européia) e os nossos hermanos também deveriam ter sido convidados.

  • Impzone 16 de julho de 2014 - 16:15 Responder

    Já que disseste que gostas de estudar tática, poderias recomendar alguma fonte de estudo tático online? Também tenho interesse em aprender uma coisa ou outra.
    Caso não tenha sido sarcástico o comentário que fala que acataria sugestões de temas, sugeriria um post com recomendações sobre esse tema, isto é, se quiseres e tiveres disponibilidade para tal. Agradeceria muito!
    Quanto ao que se falou da Alemanha, com o pouco que entendo de tática e o muito que tenho acompanhado do Bayern nos últimos anos, creio que o modo de jogar do Bayern é sim a base da formação dessa seleção, porém não o Bayern do Guardiola, mas sim o Bayern do Heynckes. Comparando ambos e a seleção alemã, o Bayern de Heynckes era mais rápido e incisivo (tal qual a seleção alemã) que o Bayern de Guardiola, que ainda parece sofrer um pouco para se adaptar ao modo de jogar do seu novo treinador. Tal modo de jogar chegou até a ser copiado por Löw, mas sem muito sucesso.

    • Israel 16 de julho de 2014 - 16:31 Responder

      A seleção alemã desta copa é a que mais teve posse de bola e a que mais troca passes, isso é a base do trabalho do Guardiola. Outro dado interessante, só dois dos gols da Alemanha nasceram de jogadas individuais (dribles), entre eles o gol do título. Os demais todos nasceram da troca de passes e movimentação, pra mim isso é exatamente o cerne do tik-tamanho.

      • Israel 16 de julho de 2014 - 17:30 Responder

        Tik-taka. Malditos sejam todos os corretores ortográficos e quem inventou o autocompletar.

      • Impzone 16 de julho de 2014 - 21:39 Responder

        Discordo. O Tiki-Taka troca passes, mas não tem penetração. As piores partidas da Alemanha na Copa foram as que Löw pôs Lahm de volante para imitar a formação do Bayern e fez o time trocar passes sem objetividade. E a base do Tiki-Taka é justamente essa: volantes que trocam passes com lentidão e calma, esperando uma oportunidade, ao invés de criar as próprias. Ao pôr Lahm na lateral e acelerar o jogo, o time tinha outra cara.

  • Adilson 16 de julho de 2014 - 21:27 Responder

    Depois de um mês treinando, a MERDA voltou a mesma, inclusive o CHEIRO. Manda esse técnico RIDICULO embora logo. Que INFERNO !!!!

  • Makol 17 de julho de 2014 - 13:55 Responder

    Daí vai o inter ou o Atlético no final do ano e não conseguem ganhar de times do 5° escalão do futebol mundial… Santos tomando 8×0 do Barcelona. É continua tudo igual.
    É óbvio que estamos muito atrás dos europeus atualmente. Os principais jogadores brasileiros não são protagonistas em nenhum time da Europa como era costume há anos atrás. Estamos ainda na era dos volantes sem qualidade e da ligação/balão direto aos atacantes, pífios e sem talento. Não tem movimentação. Ninguém quer jogar como a Espanha ou Alemanha, mas tirar alguma coisa de bom daquilo.
    Por que desmerecer a Alemanha? O caminho da Argentina foi o mais fácil de toda a Copa e jogaram um futebol medonho, estilo sul americano. Um abismo entre os setores.
    O que ferra é que ninguém tenta nada novo aqui. Cara treina 45 dias com várias formações, chega na véspera do jogo diz que o tempo foi importante para fazer vários testes e ter várias alternativas e bota um time escroto pra jogar. Medo! Solta o time, bota o time pra frente! Medo de tomar goleada na Arena? Fala sério. Tá tudo errado. Se o Guardiola tivesse medo de tomar goleada nunca armaria um Barcelona todo faceirinho como fez. Vai abandonar seu estilo por ter levado goleada do Real Madrid? Pra que? Venceu o alemão com 50 rodadas de antecedência.
    Será que ninguém assistiu a Copa do Mundo? Time que joga na retranca, fechado, só consegue levar pra prorrogação e penaltis, mas não sei se perceberam, no campeonato brasileiro jogo não tem prorrogação ou decisão por penaltis. Se não faz gol, ou perde ou empata. Não ganha nada.

    Nossos técnicos não entendem de tática e treino. Fato. São meros motivadores e escaladores.
    Troca-se técnico todo o ano e não muda nada. E mesmo os que ficam mais tempo não conseguem fazer o time apresentar um futebol descente. É sempre a mesma coisa.

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