A conta que temos que pagar

4 Postado por - 5 de setembro de 2014 - Artigos

Com tanta coisa acontecendo, o racismo parece que está sendo posto de lado. Para tentar diminuir isso, damos espaço para este belo texto do Igor Natusch. Até que ponto nós estamos realmente assumindo a nossa responsabilidade? Até que ponto só queremos achar um culpado? Leiam. E não deixem de pensar sobre.

Patrícia Moreira reproduziu de forma ignorante um grito enraizado no imaginário do Grêmio. Dizer isso não é inocentá-la: é ampliar o olhar.

Patrícia não inventou o termo “macaco” nem foi a primeira pessoa a usá-lo. Durante muito tempo todos toleraram o “macaco”: gremistas, imprensa, boa parte da torcida colorada inclusive. Alguns ainda querem tolerar hoje em dia mesmo, ignorando tudo que acontece a seu redor. Foi essa omissão coletiva que tornou “macaco” um termo “folclórico”. Que fez dele expressão corrente no Olímpico e Arena. E Patrícia o reproduziu.

Não peço e nem proponho clemência. Patrícia Moreira deve e irá responder por seu ato. Mas me enoja que MUITA gente que cantou MUITO “macaco” esteja aí, com o dedo acusador em riste, apontando para ela como se nela estivesse todo o problema. Não está. Muita gente que CALOU diante do “macaco” e que RELATIVIZOU o termo em inúmeras oportunidades agora bate sem dó em Patrícia. Evitam assim olhar para si mesmos. Patrícia Moreira não é vítima de nada, mas é um sintoma de um sistema doente, que reproduz dentro do estádio o que existe fora dele.

Tá faltando mea culpa nessa história. Pouquíssimos dizem “eu cantei macaco e me arrependo”. “Eu vi cantarem macaco e não disse nada”. “Eu já disse pro meu filho que Inter era time de negão”. “Eu já achei que o cara era bandido só por ser negro”. “Eu já dei risada quando fizeram piada de negro”. Nada: cai tudo na conta da Patrícia.

Eu já cantei “macaco” no Olímpico. Felizmente me dei conta do erro e passei a ser voz contrária, lá pelos idos de 2005. Mas cantei. Tenho culpa. Vi cantarem “macaco” muitas vezes e, por não querer me incomodar, fingi para mim mesmo que não podia agir. Calei, mas não pedi que calassem. Há tempos busco corrigir minha omissão inicial quanto ao “macaco”, do mesmo modo que luto (com sucesso, espero) para eliminar outros tantos defeitos que herdei da sociedade e que carreguei dentro de mim. Mas que fique claro: isso não me faz melhor que ninguém. Eu já fui caixa de ressonância.

Só admito gremista que NUNCA cantou “macaco” xingando Patrícia. Só admito alguém que JAMAIS relativizou o termo condenando-a sem ressalvas. Somos TODOS responsáveis pelo que aconteceu ao Grêmio. Em especial os gremistas mesmo, claro – e carregaremos nossa cruz sim, vamos precisar sim cumprir o calvário até conseguirmos nos livrar dessa mancha vergonhosa em nossa história. Mas que o racismo vire grito de guerra em estádios não é responsabilidade exclusiva dos gremistas. E certamente não só de Patrícia. Ela foi nosso VENTRÍLOQUO. Quando ergueu a voz, eram 15 ou 20 anos de torcida gremista xingando Aranha por meio dela. E eram décadas de uma torcida encorajada a seguir na trilha do racismo pela omissão de toda a sociedade. Era a sociedade toda xingando, na figura de Aranha, todos os habitantes negros do Brasil.

Tem muita gente endividada aí querendo passar a conta adiante: que cada um pague a sua. Que Patrícia Moreira pague a sua dívida, que o Grêmio quite a sua – e que a sociedade pague a sua também. E admitir que já estivemos engolidos pelo racismo não enfraquece ninguém. Pelo contrário: nos liberta e nos coloca do lado certo da luta.

Igor Natusch é jornalista e gremista

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11 + comentários

  • Jean 5 de setembro de 2014 - 14:59 Responder

    É isso…e eu admito, já cantei “macaco” e qdo me dei por conta o real teor, mascarado por mentiras como aquele de nos imitar, parei.

    E no fim, infelizmente (ou felizmente) tivemos que ser manchete mundial, para tomarmos a decisão de não mais proferirmos o termo macaco. Assim espero. Que nunca mais seja cantado.

  • Berenice Ruschel 5 de setembro de 2014 - 15:03 Responder

    Parabéns! Admirável , uma grande verdade!

  • Geferson Dietze 5 de setembro de 2014 - 16:10 Responder

    Exato, é o que venho falando, todos tem culpa, clubes, torcidas, jornalistas formadores de opinião que por puro clubismo fomentam racismo, violência, depredação e etc. Sou colorado de tatuagem no braço, sócio convicto mesmo morando longe de Poa e amante do futebol, mas venho me desiludindo com o esporte e pensando em largar de mão à muito tempo. É muita falcatrua dentro dos clubes, teu dinheiro é desperdiçado sem o menor pudor, gente recebendo pra torcer, jogador meia boca ganhando num mês oq não se junta numa década, torcedores sendo espancados, ódio gratuito pelo rival, torcedores do mesmo clube se matando por vaidade e etc. É tanta coisa ruim que não vale a pena se envolver. Abraço

    • Fabio Malta 5 de setembro de 2014 - 20:47 Responder

      Parabéns ! Teu comentário foi o mais sucinto e coerente que já li sobre esse assunto.

  • Roger 5 de setembro de 2014 - 18:03 Responder

    Verdade, a culpa é de todos. Todos tem teto de vidro. Inclusive os discriminados, que quando se trata de um assunto sofrem e em outros agridem .

    Afinal, etnia, nacionalidade, opção sexual, religião, condição social, time, posição política e todas as características/opiniões de cada um deveriam ser respeitadas, não é, Fagner? O limite, por óbvio, é que a liberdade de cada um não interfira na do próximo.

    Acho importante que tu, Fagner, tenhas escrito isso. Te posicionais sempre de maneira agressiva, me lembro até mesmo quando acusaste um próprio companheiro teu do Grêmio Libertador em uma postagem de anos atrás. Tentar menosprezar o pensamento de quem não acredita no que tu acreditas também é uma forma de opressão, ainda mais quando monopoliza para tua vertente todas as qualidades e coloca os “inimigos” como os culpados por todas as mazelas da nossa história.

    Por menos intolerância e ignorância na nossa sociedade, começando por TODOS nós. Nessa eu estou contigo!

  • edmur 5 de setembro de 2014 - 20:03 Responder

    sou gremista, gaúcho da fronteira, e trago no sangue todas as misturas de raças, exceto o italiano, que formaram nosso estado. na infância e pedaço da adolescência, na minha terra, sofri preconceito e respondi sendo preconceituoso. nunca cantei o termo macaco pq me envergonhava, mas muito pouco fiz para que não fosse cantado. concordo com todas tuas colocações e, principalmente com o mea culpa que devemos fazer. temos que reconhecer o erro da menina, que é de todos nós e do clube pelo qual torcemos, e nos apoiarmos nesse momento sofrido e assim nos erguer de mais uma queda, com a mesma força que permeia a alma guerreira de nossa verdadeira torcida. abçs tricolores da capital da nossa República, que hoje nos apedreja, mas que no fundo inveja nossa luta por mantê-la.

  • Mara 5 de setembro de 2014 - 20:22 Responder

    Estou com trauma da palavra. um animal que adoro e tem de todas as cores no zoo. Para mim macaco, se dizia quando queríamos denominar um ser pelas habilidades que caracterizam o animal. Vou ao zoológico e chamar,o nome, apenas. Fico pensando no vivente que traumatizou a família da jovem!!!! todos gremistas e gaúchos estão FELIZES por ter acabado com o racismo no Brasil

  • Sergio Amarildo 5 de setembro de 2014 - 23:22 Responder

    Prezado Igor permita-me discordar em parte de tua linha de raciocínio. Eu me coloco entre os que nunca gritou e nunca foi favorável a torcida gritar macaco. Até porque tenho parentes próximos afro descendentes. E por ver na torcida do Grêmio pessoas negras presentes. Sendo que isso sempre me incomodou. Jogar a conta do macaco toda no folclore não é correto. Agora, também não podemos deixar de considerar que o uso pelo coirmão de um mascote macaco dá margem, e até pode incentivar àqueles que se manifestam de maneira racista. Por isso, nesse ponto concordo contigo, não podemos colocar na conta da Patrícia esse preconceito. Não foi somente ela que manifestou essa palavra e não foi somente nesse jogo. Contudo, execrar, praticamente banir da vida social, imolar, a jovem mulher Patrícia Moreira é um EXAGERO. Até porque Ela foi à única que apareceu publicamente e foi condenada antes mesmo de ser julgada. A vida dessa jovem e de sua família foi esculhambada. Não acho isso justo. Prejudicar tanto a vida de uma jovem e sua família dessa forma como se a manifestação dela encarnasse todo o racismo das torcidas no Brasil. Isso é desproporcional. O racismo iniciou nos estádios de futebol? Obviamente que não. Iniciou no Brasil nas senzalas, nas casas grandes, nos senhores que escravizavam os afros descendentes. E eles hoje em dia são respeitados na sociedade em geral? Obviamente que não, os salários deles são menores, seus jovens são os mais vitimados com mortes violentas e assim por diante. Portanto, querer imputar o problema do racismo a uma jovem em um estádio de futebol é equivocada. Esse local é consequência de uma sociedade excludente e injusta que discrimina afros descendentes, mulheres, jovens, crianças, idosos, pessoas com deficiências, homo afetivos com a homo fobia, etc. Não é possível condenarmos Patrícia sem fazer uma análise séria, complexa e profunda para essa problemática. Simplificações, oportunismos, sensacionalismos interessa a quem não quer resolver ou tratar do problema de forma séria. Imolar Patrícia, o Grêmio, a torcida gremista não resolverá um problema histórico que tem a ver com a intolerância e violência. Por isso, imolar Patrícia e o Grêmio é muito mais fácil do que ir às raízes do problema da intolerância, violência e do racismo. Temos que denunciar essa situação como gremistas, fazer a mea culpa, mas não colocar o ‘chapéu’ nesse caso, porque o problema extrapola em muito os preconceitos emitidos por alguns torcedores gremistas. Nesse momento temos que provar que a maioria dos gremistas não é racista e preconceituosa com ações concretas da direção, torcedores, sócios, jogadores. Superar esse estigma é uma maneira de fortalecer uma identidade positiva para o Grêmio. Assim voltaremos a ser vencedores dentro e fora de campo.

  • David Fernando 5 de setembro de 2014 - 23:37 Responder

    Amigos torcedores, sou apenas um leitor, que sentado no conforto do sofá, corro o risco de ser demagogo e hipócrita, mas gostaria de propor uma reflexão a quem lidera as organizadas, a quem estava na Arena. O que é ser Grêmio? O que é ser perfeito e ter a nobreza de reconhecer os erros.

    Começo pendido que todos leiam de mente aberta, procurem refletir ao que escrevo e por favor me desculpem se tenho uma opinião diferente. Peço para que pensem na guria (que cometeu um erro sim, não é inocente) agora, onde ela esta? O que esta fazendo? Como esta se sentindo? Depois pensem na solidão que ela sentindo encarando tudo isto sozinha.

    Para alguém jovem, que foi na onda dos demais, com certeza não esta sendo fácil ser executada, (sim executada por que não teve a chance do julgamento), porém, esta sendo executada não apenas pelo erro que cometeu, mas pelos meus erros e da sociedade como um todo, e ainda principalmente por todos os 5, 6 mil e tantos torcedores que estavam naquele setor.

    Assim chego onde é ser Grêmio, “até a pé nos iremos, para o que der e vier” então pergunto aos torcedores lá presentes: Deixarão esta guria enfrentar toda esta execução sozinha? Não deveríamos estar unidos para o que der e vier? Afinal não é isto que cobramos dos jogadores, da direção? União, entrega, respeito as cores do Grêmio, e agora rapaziada? A bola esta aqui, nós é que estamos com ela em nossos pés, não seria a hora de assumirmos as responsabilidades pelas inúmeras vezes que cometemos o mesmo erro? Esta é a hora de sermos Grêmio, é a hora de quem fez os gestos, os sons, reunir-se como em dia de jogo e ir a delegacia e dizer: “Sr. Delegado, erramos, estamos aqui para reconhecer nosso erro, nos desculparmos com quem ofendemos e pagarmos o que devemos, não foi só ela que gritou”.

    Não sou um influenciador, não tenho este poder, mas para aqueles que o tem, peço este momento de reflexão, aproveitem este final de semana, conversem com seus grupos e não deixem a segunda-feira passar. Ainda há tempo para mostrar nobreza, dignidade diante de tanto sofrimento, não podemos perder a fé em nós mesmos.

  • Elias Trindade 6 de setembro de 2014 - 20:44 Responder

    No face eu fiz um comentário bem parecido, e que estão colocando a culpa só na Patrícia. Todas as cantigas da torcida “Geral” reverenciam o nosso rival como “macaco” e isso me ofende ,ofende gremistas negros e colorados negros, enfim, toda a nossa etnia afro-brasileira. Belo e Grandioso comentário….

  • Iuri 7 de setembro de 2014 - 00:57 Responder

    Acham mesmo que ela odeia aquele goleiro? Que ela quer que ele morra porque é preto, negro, mulato, afrodescendente, azul, amarelo, roxo ou qualquer outra coisa? Acham que ela quer que todos os outros parecidos (leia-se características físicas) com ele sofram? Ou que ela se acha melhor que eles? Por favor meus amigos do Grêmio libertador, tenham dó. E por último, acha que (“Quando ergueu a voz, eram 15 ou 20 anos de torcida gremista xingando Aranha por meio dela.”) TODOS os gremistas, lembrando que sou um deles, querem isso?
    Devo lembrar que não existem raças e somos todos humanos, não existem nós e eles, existem TODOS.

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