Dos anos 90, só quero as memórias

3 Postado por - 12 de maio de 2016 - Artigos

Faz já um certo tempo que acordo com a sensação de que voltei 20 anos na História. Hoje, esta sensação está mais forte. Não são apenas os nomes que se repetem – alguns acrescidos de Júnior ou Filho, outros reencarnados apesar de biografias mais do que questionáveis – na Esplanada dos Ministérios. É principalmente o espírito da coisa toda: o discurso sobre uma modernização que vem para manter tudo no atraso, o blá blá blá do tecnicismo que cala a diversidade, o endeusamento do indivíduo e a vilanização do coletivo.

É triste.

É triste principalmente porque é isso que me enfiam goela abaixo e não o que dos anos 90 eu guardo de melhor: meus dias – e noites – em reuniões e atos do movimento estudantil e o time do Grêmio.

Não por acaso as duas coisas me ensinaram o exato oposto do projeto que se desenhou naqueles anos e que agora ressurge como um megazord a nos golpear.

Sobre meus dias de liderança do movimento estudantil, não há porque eu me alongar. É fácil imaginar que foi lá que assumi ser contra tudo aquilo (agora isto) e que compartilhar muitos dias de uma sala de aula transformada em alojamento com um bando de gente como eu contribuiu para fortalecer minha crença de que somos melhores quando em coletivo.

Sobre o time do Grêmio, eis sobre o que vale a pena falar um tanto mais. Pelo Grêmio e pela metáfora.

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Era um time. Era um ato de resistência.

Não havia nada de moderno em um time que se apoiava sobre a brucutuzice necessária de Dinho e Goiano de um 4-4-2 que não era novidade. É certo que havia muita técnica e muito técnico, mas onde queriam tecnicismo, correção, reloginho e bonitezas, vinha de repente um carrinho, um chute pro mato, uma voadora. Tínhamos um acrobático goleiro, os formidáveis paraguaios, sólido capitão, promessa na lateral, destemidos volantes, meio-campistas acima da média e um cabeceador que fez história no futebol mundial. Mas o que éramos, o que éramos mesmo não era uma porção de indivíduos. Era um coletivo. Um time.

Assim como naqueles tempos, hoje ainda vejo aquele Grêmio de meados dos anos 90 como um ato de resistência. Um apelo à identidade quando nos diziam que bacana era ser parte da aldeia global; à história quando nos diziam que ela tinha acabado; à luta quando nos diziam que ela já não fazia sentido.

Tenho cá pra mim que é pra isso que nossa nostalgia nos aponta como o caminho a ser percorrido agora, na vida e no futebol.

Foto: Flickr Grêmio Oficial

A nostalgia aponta o caminho. (Foto: Flickr Grêmio Oficial)

E que isso não se confunda com um desejo de retorno ao que já fomos – que pode ser compreensível, mas nada realista.

Na realidade, os tempos são outros e é nestes outros tempos que é preciso encontrar o que nos dará identidade, nos fará reabraçar nossa história e levará time e torcida de cabeça erguida para a batalha.

Eu não quero de volta os anos 90. Deles eu só quero as memórias.

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11 + comentários

  • De Leon 13 de maio de 2016 - 07:28 Responder

    Obrigado Cris Charão!
    Obrigado por nos trazer essas palavras, esse raciocínio.
    Compartilho do mesmo sentimento.
    Pensamento que me proporciona tristeza e ao mesmo tempo muito orgulho.

    Ótima dia, saúde.

  • GMR 13 de maio de 2016 - 10:28 Responder

    Só uma palavra para descrever este texto: S-E-N-S-A-C-I-O-N-A-L. Meus parabéns, este texto me fez refletir muito, algo que não acontecia, lendo, a algum tempo.

  • Rodrigo 13 de maio de 2016 - 11:44 Responder

    Se pensarmos bem, veremos que “anos 90” já é lucro. Com a construção de Belo Monte, por exemplo, os habitantes da bacia do Xingu devem se sentir como se vivessem na década de 70, ainda durante o “Brasil Grande” da ditadura militar. Uma pena que os militantes de esquerda só se mobilizem de fato quando percebem que suas confortáveis vidas de classe média podem ser afetadas. A Amazônia é muito distante, né? Melhor fingir que não existe…

    • De Leon 13 de maio de 2016 - 12:51 Responder

      Pessoal do blog, posso deixar um “som” prá fazer a cabeça do Rodrigo?

      Grato.

      https://www.youtube.com/watch?v=gvRznV6–os

      • Rodrigo 13 de maio de 2016 - 14:20 Responder

        Oi? Tem certeza que você entendeu o que eu escrevi? Quer dizer então que você se considera de esquerda – ou comunista (risos) – por defender um governo como o do PT?

        Eu não tenho medo de transformações sociais profundas, muito pelo contrário. E o meu comentário apenas expressa o desapontamento de alguém que gostaria que o massacre dos povos indígenas e a destruição do meio ambiente provocassem tanta indignação quanto o impeachment de um governo autoritário e incompetente.

        Na verdade, eu acho que você entendeu perfeitamente o que eu disse. Mas, por desonestidade intelectual, quis me classificar como reacionário ou algo desse tipo. Sempre que alguém expressa uma visão política que não se encaixa na falsa polarização, vocês, governistas, reagem dessa maneira. Não é por acaso que o PT acabou caindo de forma tão melancólica. Foi engolido por um monstro que ele próprio fez questão de criar.

        • Daniel 13 de maio de 2016 - 14:51 Responder

          Esqueceste de citar a extinção da ararinha azul e que a carne para churrasco é Friboi… kkkkkkkk

          • Rodrigo 13 de maio de 2016 - 16:21

            É muito engraçado, mesmo.

        • De Leon 13 de maio de 2016 - 16:55 Responder

          Sexta-feira….só prá “fazer” a cabeça.
          BRIZOLA!!!

          • Rodrigo 13 de maio de 2016 - 19:59

            De Leon, eu nem cheguei a comentar, mas, apesar de ainda não ter entendido o que você quis dizer com “fazer a cabeça”, gostei da música. Abraço!

          • Daniel 13 de maio de 2016 - 20:07

            Bob Marley! Paz, amor e cabeça feita! É sexta-feira! Como dizia Brizola: “Se partido político fosse bom, o nome não era Partido, era Inteiro” kkkkkkkkk

  • ximbica 28 de junho de 2016 - 21:40 Responder

    milton santos e aldeia global! baita texto

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